Português (Brasil)

É possível obter musculatura dupla em tilápias mediante o uso de técnicas moleculares?

É possível obter musculatura dupla em tilápias mediante o uso de técnicas moleculares?

Data de Publicação: 10 de julho de 2023 09:14:00 “O objetivo desse estudo foi avaliar a expressão do gene da miostatina em tilápia do Nilo e explorar como a edição genética pode contribuir para o aumento da musculatura dupla” #artigo acadêmico #uem #tilápia #musculatura dupla #gene da miostatina #musculatura da tilápia

Compartilhe este conteúdo:

 

*Por SIEMER, S¹,³; OLIVEIRA, G, G¹; BOMFIM, S; C¹,³; CASETTA, J³; DE CESARO, E¹,³; DA SILVA, G, F³; DE OLIVEIRA, C, A, L ²,³; RIBEIRO, R, P ²,³

INTRODUÇÃO

A piscicultura é uma atividade aquícola que tem experimentado um crescimento consistente em nosso país e essa atividade é uma forma eficiente de produzir proteína animal, visto que, reduz a necessidade de capturar peixes nativos e, consequentemente, contribui de forma direta na minimização dos impactos ambientais causados pela pesca extrativa (PESSOA, 2023). A principal espécie de peixe produzida no Brasil é a tilápia do Nilo (Oreochromis niloticus, Figura 1) (PEIXEBR, 2023).

(Foto: UEM)

 

Figura 1. Exemplar de tilápia do Nilo (Oreochromis niloticus) do Programa de Melhoramento Genético de Tilápia do Nilo da Universidade Estadual de Maringá – PMGT-TILAMAX/UEM. Fonte: Acervo do Peixegen - UEM, 2023.

A tilápia se destaca devido ao seu excelente desempenho zootécnico e alto valor nutricional atendendo a demanda do mercado consumidor por se tratar de uma espécie de peixe que possui carne branca e sabor suave (WANG; LU, 2016; BARROSO et al., 2019; SILVA, 2022). No ano de 2022, o Brasil produziu cerca de 550.060 toneladas de tilápias do Nilo que representa 63,93% da produção de peixes de cultivo que contribui para um aumento de 3% em relação ao ano anterior conferindo a quarta posição no ranking da produção mundial (PEIXEBR, 2023).

A fim de garantir uma maior eficiência na produção e produtividade em menor tempo de cultivo é necessário que novas biotecnologias sejam aprimoradas e empregadas. Uma dessas tecnologias promissoras é a edição genética, que tem o potencial de acelerar os ganhos de produtividade ao introduzir modificações genéticas para fins comerciais (DA COSTA et al., 2021; GEORGES et al., 2019).

Nesse contexto, o objetivo desse estudo foi avaliar a expressão do gene da miostatina em tilápia do Nilo e explorar como a edição genética pode contribuir para o aumento da musculatura dupla.

MATERIAIS E MÉTODOS

Os animais utilizados para o estudo foram provenientes da 12ª (décima segunda geração) de seleção do Programa de Melhoramento Genético de Tilápias do Nilo da Universidade Estadual de Maringá (PMGT-TILAMAX/UEM). Os animais foram e cultivados em tanque-redes com 6 m3 e densidade de estocagem de aproximadamente 70 kg por m3 na unidade demonstrativa de produção de tilápia do Nilo da Universidade Estadual de Maringá (UEM), no Rio do Corvo, Diamante do Norte – PR.  No experimento, foram separados em dois grupos experimentais, animais com alto e baixo valor genético para o peso corporal. Os peixes de ambos os grupos, foram identificados individualmente com microchips e em seguida coletado amostras de músculo branco, armazenados em tubos estéreis em nitrogênio líquido e posteriormente em freezer -80 ºC para avaliação da expressão do gene da miostatina através da reação em cadeia da polimerase em tempo real após transcrição reversa (RT-qPCR). 

DESENVOLVIMENTO

O gene da miostatina (MSTN)

A miostatina é uma enzima que, atua como inibidor do crescimento muscular diminuindo a proliferação e a diferenciação das células musculares (MCPHERRON et al., 1997; LEE; MCPHERRON, 2001). Durante a fase embrionária ela controla o desenvolvimento do número de miofibras limitando o crescimento muscular (OTTO; PATEL, 2010; LEE, 2004). Durante o crescimento muscular pós-embrionário as células chamadas células satélites ficam inativas até serem ativadas e originar os mioblastos (RESCAN et al., 2001). O início das multiplicões dos mioblastos ocorre a partir da expressão do gene (MyoD) através de divisões celulares que, se diferenciam pela ação do gene da miogenina (myog). Essas mudanças morfológicas e funcionais passam a sintetizar proteínas responsáveis pela contração muscular, denominadas actina e miosina (SANTOS, 2013; OTTO; PATEL, 2010; LEE, 2004; SCHUELKE et al.,2004).

À medida que ocorre a diferenciação os mioblastos se unem para formar os miotubos que, por sua vez, se fundem para formar as miofibras (Figura 2). Essas miofibras multinucleadas são responsáveis pela formação das fibras musculares, denominadas miócitos (SANTOS, 2013; OTTO; PATEL, 2010; LEE, 2004; SCHUELKE et al.,2004). Portanto, o crescimento muscular está associado com o controle da proliferação e diferenciação dos mioblastos e pode ser inibido pela expressão do gene da miostatina. A miostatina quando é muito expressa desencadeia a ativação da degradação de proteínas, o que resulta na inibição do crescimento muscular (OTTO; PATEL, 2010; JOHANSEN; OVERTURF, 2006; ACOSTA et al., 2005).

         

 

        

Figura 2. Esquema representativo ilustrando a ação do gene da miostatina (MSTN) de forma negativa no crescimento muscular, através da inibição da proliferação e diferenciação dos mioblastos. Fonte: Adaptado de Watabe (1999).

Nesse caso, quando o animal apresenta a ausência do gene da miostatina ocorre o fenótipo de dupla musculatura causado pela hipertrofia e hiperplasia das fibras musculares. (MCPHERRON et al., 1997; LEE et al., 2010). Em uma raça de bovinos chamada Belgian Blue foram observados a mutação deste mesmo gene que, resultou no aumento de aproximadamente 20% da massa muscular beneficiando a hiperplasia, ou seja, aumenta o número de fibras musculares, ao invés no diâmetro delas (MÉNISSIER, 1982; GROBET et al., 1997; HANSET, 1991; CARDOSO, 2018).

Técnicas Moleculares

Com o avanço no desenvolvimento em biotecnologias, existem várias técnicas moleculares utilizadas para estudar o gene da miostatina, como o sequenciamento de DNA, expressão gênica e edição genômica. A expressão gênica é o processo pela qual a informação em um gene é utilizada para formar um fenótipo ou uma característica. Ela mede quando e quanto a expressão de um gene aumenta ou diminui para formar um organismo, tecido (NIH, 2023). Ela pode ser utilizada para determinar uma sequência específica de DNA de genes estão envolvidos nos processos de formação de determinadas proteínas. A utilização da técnica de expressão gênica para o gene da miostatina é de grande importância, pois através dela é possível entender os processos que estão envolvidos no crescimento muscular, quando o gene é expresso ou não, e o quanto isso afeta na formação de uma característica, como por exemplo, o músculo. Além disso, as técnicas de expressão gênica e edição trabalham em conjunto, principalmente quando é alterada uma determinada sequência no DNA de um organismo, a expressão do gene presente nesta sequência pode ser alterada também (DINIZ; FERREIRA, 2010).

Em relação a edição genômica, é a modificação precisa do DNA da mesma espécie, melhorando características que ocorrem naturalmente nesse organismo (DIAS et al., 2017).  A técnica de edição genômica CRISPR/Cas9 é amplamente utilizada devido à sua facilidade de uso, alta eficácia, especificidade e versatilidade (DOUDNA; CHARPENTIER, 2014; KENNEDY et al., 2015; SANTOS et al., 2016). Essa técnica permite ligar e desligar genes de forma controlada e é considerada altamente promissora no tratamento de diversas doenças (CASTRIGNANO, 2017). Além de tratar de doenças hereditárias, virais e capaz de deletar, incluir sequencias para atingir uma característica de interesse econômico (SANTOS et al., 2016). Outra vantagem da técnica, é que a proteína Cas9 se mantém inalterada após induzir a quebra da cadeia dupla de DNA. Essa característica facilita o trabalho com genomas extensos e permite a modificação simultânea de múltiplos locais (DOUDNA; CHARPENTIER, 2014).

Por outro lado, existem muitas questões éticas associadas à descoberta da tecnologia CRISPR, pois embora ofereça muitos benefícios, há também preocupações sobre os riscos desconhecidos da manipulação de DNA em longo prazo (DE OLIVEIRA et al.,2021). Alguns estudos defendem a possibilidade de a técnica CRISPR/Cas cortar acidentalmente trechos de DNA fora da sequência alvo causando mutações indesejáveis.

RESULTADOS

Os níveis baixos de miostatina promovem um aumento no número de fibras musculares (hiperplasia) e no tamanho dos músculos (hipertrofia), resultando no aumento da massa muscular (MCPHERRON et al., 1997; LEE et al., 2010). Nesse estudo avaliando a expressão do gene da miostatina em tilápias, os valores de expressão do gene foram menores para os animais que possuem alto valor genético para peso corporal (0,1618 UA - Unidade Arbitrária), isso significa que os animais desse grupo tendem a ter um maior crescimento muscular em comparação aos animais de baixo valor genético e maior expressão do gene 0,3934 (UA) (Figura 3) demonstrando a ação inibitória do gene da miostatina no crescimento. Apesar da baixa expressão de miostatina para os animais de alto valor genético, até agora, o “modelo de músculo duplo” em tilápias foi obtido mediante estudo realizado por Wu e colaboradores (2023), com o uso da edição do gene MSTN.  Contudo, é necessário mais estudos para a melhor compreensão da regulação dos genes relacionados ao crescimento muscular e a utilização da técnica de edição gênica em tilápia do Nilo.

 

Figura 3. Expressão de proteína miostatina (MSTN) em tilápia do Nilo em animais de grupo de alto valor genético e grupo de baixo valor genético.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Estudos recentes na aquicultura têm demonstrado que o uso de técnicas moleculares como a expressão gênica do gene da miostatina e a remoção ou “knock-out” do gene colaboram com o entendimento sobre o processo de regulação do crescimento muscular. E isso tem despertado um interesse crescente em pesquisas promissoras para aumentar a hipertrofia muscular. No entanto, é essencial considerar abordagens que envolvam o bem-estar animal e questões éticas em conjunto com os índices zootécnicos.

*¹Postgraduate Program in Animal Science, Animal Science Department, State University of Maringá, si_syemer@hotmail.com; ²Animal Science Department, State University of Maringá; ³PeixeGen Research Group - Management, Breeding and Molecular Genetics of Freshwater Fish Farming, Department of Animal Science, State University of Maringa, Avenida Colombo, Maringá, Paraná, CEP 87020-900, Brazil.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ACOSTA, Jannel et al.  Myostatin gene silenced by RNAi show a zebrafish giant phenotype. Journal Biotechnology. p. 119:324–331, 2005. doi:10.1016/j.jbiotec.2005.04.023.

BARROSO, Renata. Melon. et al. Gerenciamento genético da tilápia nos cultivos comerciais. Embrapa Pesca e Aquicultura. Palmas, TO. Série Documentos, v. 23, 2015.

CARDOSO, L. G. Terapia gênica e sua influência no doping genético. 2018. Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). Fundação Carmelitana Mário Palmério – FUCAMP, p. 14, 2018.

CASTRIGNANO, Silvana Beres. Tecnologia CRISPR-Cas9. Enzimas em biologia molecular. art.3 Núcleo de Doenças Respiratórias - Centro de Virologia - Instituto Adolfo Lutz. BolInst Adolfo Lutz, 2017.

DA COSTA, C. P; ASSUMPÇÃO, M. E. A; DEMARCHI, M. Sistema CRISPR/Cas9 e perspectivas de aplicações na cadeia produtiva animal. Rev. Bras. Reprod. Anim, v. 45, n. 1, p. 18-32, 2021.

DIAS, G; SILVA, M; CARNEIRO, P. A engenharia genética de precisão: status atual e perspectivas regulatórias para as novas ferramentas de melhoramento genético. Uberlândia: Céleres, 2017.

DINIZ, Mariana de Oliveira; FERREIRA, Luís Carlos de Souza. Biotecnologia aplicada ao desenvolvimento de vacinas. Estudos avançados, v. 24, p. 19-30, 2010.

DOS SANTOS, Sandna Larissa Freitas et al. CRISPR: uma nova era na biologia molecular. Revista Biotecnologia & Ciência v, v. 5, n. 2, p. 40-48, 2016.

DOUDNA, J. A; CHARPENTIER, E. The new frontier of genome engineering with CRISPR-Cas9. Science, v. 346, n. 6213, p. 1258096, 2014.

GEORGES, M; CHARLIER, C; HAYES, B. Harnessing genomic information for livestock improvement. Nature Review Genetics, v. 20, p. 135-156, 2019.

GROBET, Luc et al. A deletion in the bovine myostatin gene causes the double–muscled phenotype in cattle. Nature genetics, v. 17, n. 1, p. 71-74, 1997.

HANSET, R. et al. The major gene of muscular hypertrophy in the Belgian Blue cattle breed. Breeding for disease resistance in farm animals., p. 467-478, 1991.

JOHANSEN, Katherine A.; OVERTURF, Ken. Alterations in expression of genes associated with muscle metabolism and growth during nutritional restriction and refeeding in rainbow trout. Comparative Biochemistry and Physiology Part B: Biochemistry and Molecular Biology, v. 144, n. 1, p. 119-127, 2006.

KENNEDY, Edward M. et al. Optimization of a multiplex CRISPR/Cas system for use as an antiviral therapeutic. Methods, v. 91, p. 82-86, 2015.

LEE, Se-Jin. Regulation of muscle mass by myostatin. Annu. Rev. Cell Dev. Biol., v. 20, p. 61-86, 2004.

LEE, Se-Jin; MCPHERRON, A. C. Regulation of myostatin activity and muscle growth. Proceedings of the National Academy of Sciences, v. 98, n. 16, p. 9306-9311, 2001.

MCPHERRON, A. C.; LAWLER, A. M.; LEE, S. J. Regulation of skeletal muscle mass in mice by a new TGF-beta superfamily member. Nature, v. 387, p. 83-90, May. 1997.

MÉNISSIER, François. Present state of knowledge about the genetic determination of muscular hypertrophy or the double muscled trait in cattle. In: Muscle Hypertrophy of Genetic Origin and its use to Improve Beef Production: A Seminar in the CEC Programme of Coordination of Research on Beef Production held in Toulouse, France, June 1–12, 1980. Springer Netherlands. p. 387-428, 1982.

NIH. NATIONAL HUMAN GENOME RESEARCH INSTITUTE. Expressão gênica. 2023. Disponível: <https://www.genome.gov/genetics-glossary/Gene-Expression?id=73>. Acesso em 03 de Julho de 2023.

OTTO, Anthony; PATEL, Ketan. Signalling and the control of skeletal muscle size. Experimental cell research, v. 316, n. 18, p. 3059-3066, 2010.

PeixeBr. Anuário Brasileiro da Piscicultura PEIXE BR. A força do peixe brasileiro. 2023.   Disponível em: < https://www.peixebr.com.br/anuario/>. Acesso em: 10 de Junho de 2023.

PESSOA, Maria Inês Leal. Crescimento do ouriço-do-mar Paracentrotus lividus no litoral rochoso de Portugal continental e em aquacultura em sistema aberto. 2023. Dissertação de Mestrado. Universidade de Évora, 2023.

SANTOS, Audrei dos Reis. Expressão de genes envolvidos na sinalização da miostatina (GDF-8) em resposta a diferentes modelos de treinamento de força. 2013. Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo, 2013.

SANTOS, Carlos Eduardo Carvalho dos. Análise econômica do ciclo de produção de tilápia em tanque rede em Santa Fé do Sul/SP. Trabalho de Conclusão de Curso. Ilha Solteira – SP, 2023.

SCHUELKE M, et al. Myostatin Mutation Associated with Gross Muscle Hypertrophy in a Child. Massachusetts Medical Society, v. 350 n. 26, p. 2682-2688, 2004.

SILVA, Barbara Fernanda Tomé. Revisão sobre o uso de macroalgas na nutrição do camarão branco Litopenaeus vannamei. 2022. Trabalho de Conclusão de Curso. Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2022.

WANG, Mião; LU, Maixin. Tilapia polyculture: a global review. Aquaculture Research, v. 47, n. 8, p. 2363–2374, 2015. doi:10.1111/are.12708 

WATABE, S. Myogenic regulatory factors and muscle differentiation during ontogeny in fish. Journal of Fish Biology, v. 55, p.1–18, 1999. Doi:10.1111/j.1095-8649.1999.tb01042.x.

WU, You et al. Generation of fast growth Nile tilapia (Oreochromis niloticus) by myostatin gene mutation. Aquaculture, v. 562, p. 738762, 2023.

 

Compartilhe este conteúdo:

  Seja o primeiro a comentar!

Os comentários são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site. Envie seu comentário preenchendo os campos abaixo

Nome
E-mail
Localização
Comentário