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NOTA TÉCNICA - Avaliação dos Efeitos da Lei nº 12.434/2024 "Transporte Zero": Impactos, Monitoramento e Oportunidades para a Pesca Sustentável na região da Bacia do Alto Paraguai.
Data de Publicação: 18 de outubro de 2024 16:26:00 A Lei nº 12.434/2024, ou "Lei do Transporte Zero", é um avanço na regulamentação da pesca na Bacia do Alto Paraguai, proibindo o transporte e comercialização de 12 espécies de peixes. Essa medida visa preservar a biodiversidade e promover práticas pesqueiras sustentáveis que respeitem as comunidades ribeirinhas.
A Lei nº 12.434/2024, ou "Lei do Transporte Zero", é um avanço na regulamentação da pesca na Bacia do Alto Paraguai, proibindo o transporte e comercialização de 12 espécies de peixes. Essa medida visa preservar a biodiversidade e promover práticas pesqueiras sustentáveis que respeitem as comunidades ribeirinhas.
Por Ricardo Pereira Ribeiro1 e Darci Carlos Fornari2
Introdução:
A Lei Nº 12197 DE 04/09/2023 do Estado do Mato Grosso, acrescenta e altera dispositivos da Lei nº 9.096, de 16 de janeiro de 2009, que dispõe sobre a Política da Pesca no Estado de Mato Grosso e dá outras providências. Esta Lei estabelece a Proibição Para Transporte, Armazenamento e Comercialização do Pescado, a chamada “Lei do Transporte Zero”. Já no início de 2024, o Estado do Mato Grosso promulgou a Lei nº 12.434/2024, que institui a proibição do transporte, armazenamento e venda de 12 espécies de peixes, as quais são reconhecidas tanto pelo seu valor comercial quanto pelo interesse em diferentes modalidades de pesca. Essa legislação reflete um esforço consciente para preservar a biodiversidade aquática e garantir a sustentabilidade dos recursos pesqueiros na região. Ao passo que alguns cientistas tentam demonstrar que a Lei seria um erro (Fernando et al. 2024), este levantamento, por sua vez, focará nas espécies nativas da Bacia do Alto Paraguai (BAP), destacando a relevância histórica da pesca nessa área. A BAP não é apenas um importante ecossistema aquático, que compõem o pantanal, mas também uma fonte vital de sustento para as comunidades locais, que têm dependido da pesca por gerações. Assim, o estudo buscará compreender melhor o impacto dessa lei sobre as práticas pesqueiras e a conservação das espécies, levando em consideração as interações socioeconômicas que envolvem a atividade pesqueira na região.
Dourado é uma das espécies nativas do Pantanal (Foto: Divulgação) |
Na Bacia do Alto Paraguai (BAP), destacam-se cinco que, de acordo com dados de 2022 da Agência Nacional das Águas (ANA), representam 44% de toda a captura na pesca comercial de pequena escala na região. Essas espécies são essenciais não apenas para a biodiversidade local, mas também para a subsistência de muitas comunidades ribeirinhas. Estima-se que aproximadamente 8.000 pessoas estejam diretamente envolvidas nessa prática de pesca tradicional no Pantanal mato-grossense, contribuindo para uma movimentação econômica anual de cerca de US$ 12 milhões. Em termos financeiros, isso se traduz em uma renda média mensal de apenas R$ 687,50 para cada pescador, sem contar com as despesas de combustível, iscas e outros insumos e instrumentos para a captura dos peixes, colocando muitos deles na linha da miséria extrema. Este valor é menos que a metade do valor do seguro defeso que estas pessoas recebem do governo durante o período de piracema, quando a pesca é proibida. Ou seja, o seguro defeso apesar de ser um baixo valor, gera mais dignidade social do que a pesca extrativa nacional nesta região e, ainda pode gerar uma proteção às espécies mais nobres de pesca. É importante salientar que este é apenas um aspecto das discussões que rondam este polêmico tema.
Ao contrário do Turismo de pesca, como afirmam Zanatta e Maciel (2020), em seu trabalho onde tratam das ameaças ao Pantanal, citam o exemplo da cidade de Corumbá (MS), com aproximadamente 100 mil habitantes, sendo que, segundo os autores, cerca de 30 mil dependem direta ou indiretamente da atividade pesqueira e, em sua maioria piloteiros ou trabalhadores em barcos de turismo pesqueiro, pescadores artesanais, coletores de iscas vivas, artesãos. Reafirmam a importância das modalidades da pesca no município, sendo que a pesca turística é tida como economicamente a mais dinâmica, onde, continuam os autores, a partir de seus barcos hotéis e pousadas, estrutura uma cadeia geradora de empregos diretos e indiretos em agências de turismo, companhias aéreas, hotéis, bares, estaleiros e oficinas existentes em algumas cidades pantaneiras. Ainda, a pesca turística fomenta uma atividade extrativista acoplada, identificada como captura de iscas vivas, praticada por ribeirinhos e comunidades tradicionais.
Em 2015, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) estabeleceu princípios orientadores nas Diretrizes Voluntárias para Garantir a Sustentabilidade na Pesca de Pequena Escala. Essas diretrizes incluem aspectos fundamentais como a consulta e participação das comunidades locais, abordagens holísticas e integrativas, e a responsabilidade social, entre outros aspectos essenciais (FAO, 2015). Esse esforço reflete a crescente conscientização sobre a importância de garantir que a pesca de pequena escala não apenas preserve os recursos aquáticos, mas também apoie as comunidades que dela dependem.
Além disso, a FAO reafirma seu compromisso com a sustentabilidade por meio do documento "La Revolución Azul" (2021), que introduz um programa estratégico destinado a implementar a visão da “transformação azul”. Este programa fornece um marco abrangente para o planejamento, execução e monitoramento de atividades relacionadas aos sistemas alimentares aquáticos, abrangendo toda a cadeia, desde a produção até o consumo. O objetivo é impulsionar resultados concretos que apoiem economias aquáticas sustentáveis e inclusivas, promovendo práticas que beneficiem tanto o meio ambiente quanto as populações locais.
Embarcação pesqueira do Pantanal (Foto: Divulgação) |
Esse enfoque integrado é crucial para garantir que a pesca de pequena escala, muitas vezes subestimada, receba a atenção necessária para se desenvolver de maneira sustentável. Ao adotar medidas que considerem as realidades sociais, econômicas e ambientais, a FAO busca fomentar um equilíbrio que permita não apenas a preservação dos recursos pesqueiros, mas também o fortalecimento das comunidades que dependem deles para sua subsistência. Dessa forma, a "transformação azul" se propõe a ser uma mudança significativa não apenas nas práticas de pesca, mas na melhoria da qualidade de vida das pessoas que vivem em harmonia com os ecossistemas aquáticos.
Neste mesmo documento, com respeito à pesca tradicional, a FAO traça como metas os seguintes pontos:
- Na área política: estruturas de governança e instituições eficazes que apoiem o acesso a pesca;
- Acesso equitativo: aos recursos e serviços que melhore os meios de vida dos pescadores e os trabalhadores da pesca;
- Sistemas de ordenação pesqueira eficazes que abordam: objetivos ecológicos, sociais e econômicos e consideram as compensações recíprocas;
- Frotas pesqueiras: eficientes, seguras, inovadoras e rentáveis.
Ainda neste documento a FAO espera como resultado que 100% da pesca marinha ou continental que é o - tema deste nosso documento-, seja realizada sob um ordenamento governamental baseada em dados técnicos, com eliminação progressiva de todas as atividades ilegais e não regulamentadas e que para minimizar as ameaças à pesca interior, somente ocorrerá se houver a utilização de dados e levantamentos populacionais confiáveis, com protocolos de captura que privilegiem a abordagens integradas e tradicionais.
A Lei de Transporte Zero no Mato Grosso é uma iniciativa para esta regulamentação e prevê os estudos visando verificar, de forma eficaz, os seus efeitos e impactos nas populações das espécies envolvidas e, consequentemente em toda a cadeia alimentar, pois estas espécies nobres dependem deste equilíbrio da cadeia para se manterem como populações sustentáveis e perseverarem a longo prazo. Por fim como item de vital importância, quando tratamos de populações humanas tradicionais, que se tenha êxito em geração de empregos plenos, produtivos e trabalho decente no setor pesqueiro, para os homens e mulheres até o ano de 2030. Assim, podemos ter a certeza de que esta dignidade não será obtida com uma pesca extrativa, que proporciona, para cada pescador, R$ 687,50 mensais, segundo os dados da ANA (2022) e, tão pouco com um seguro defeso que é de R$1.412,00, o qual pode variar de 2 a 5 meses por ano, por beneficiário, dependendo da avaliação do IBAMA (MPA — Ministério da Pesca e Aquicultura (www.gov.br)).
É imprescindível que as populações tradicionais devem ser preservadas e que a garantia da sua existência com dignidade e independência devem ser valorizadas.
Planície Pantaneira (Fotos do Autor) |
o Relatório SOFIA (2024), a FAO também estabelece diretrizes importantes para a preservação dos estoques pesqueiros e garantias da qualidade de vida de populações tradicionais e vulneráveis, afirmando que “precisamos acelerar esforços para garantir 100% dos estoques de peixes sejam colocados sob gestão eficaz, com vistas a reverter práticas insustentáveis, combater a pesca ilegal, não declarada e não regulamentada (grifo nosso), e reduzir a sobrepesca”. Afirma ainda que: “em um ecossistema a abordagem mais adequada, deve privilegiar a intensificação e expansão da aquicultura com vistas a minimizar os impactos ambientais a saúde animal e segurança alimentar, com um uso eficiente, diversificado e sustentável de insumos e recursos, em particular água, terra e alimento, melhorando os rendimentos e apoiar os meios de subsistência, especialmente para as comunidades e populações mais vulneráveis”. Sendo assim, fica muito claro que a preocupação mundial está focada na necessidade de regulamentação da pesca e melhoria da qualidade de vida e renda das comunidades tradicionais e vulneráveis que deve ser o foco da atenção das autoridades constituídas em cada estado e país.
Com base nos dados e constatações mencionados, assim como nas informações oficiais, é evidente que a pesca tradicional na região não consegue assegurar nem a preservação das populações de peixes, nem a segurança alimentar e a qualidade de vida das comunidades tradicionais. Essa abordagem de pesca, embora historicamente significativa, enfrenta desafios que comprometem sua sustentabilidade, tornando imprescindível a adoção de práticas mais eficazes para garantir a viabilidade dos recursos pesqueiros e o bem-estar das populações que dependem deles. Assim, a busca por alternativas que estimulem a permanência dessas comunidades tradicionais em suas áreas de origem, promovendo a geração de emprego e renda, torna-se o grande desafio. É fundamental garantir seu sustento e dignidade, ao mesmo tempo em que se preservam suas tradições e modos de vida. O desenvolvimento de iniciativas sustentáveis pode oferecer novas oportunidades, permitindo que essas comunidades se fortaleçam e se adaptem às mudanças, sem perder sua identidade cultural.
Em um estudo sobre ações de políticas públicas para o Pantanal, baseadas em informações técnicas e científicas, repetindo o exemplo da cidade de Corumbá, em que cerca de um terço desta população vive de forma direta ou indireta da pesca, com que boa parte deste contingente está vinculado ao turismo da pesca, onde Hotéis, Pousadas e Barcos Hotéis oferecem emprego e renda a estes profissionais da pesca que atuam na região. Nos estudos de Tomas et al (2019), eles propõem dez ações de políticas públicas com vistas à manutenção da preservação do Pantanal e áreas adjacentes, políticas que vão desde a expansão das áreas protegidas; redução de conversão de áreas úmidas de modo a manter os pulsos de inundação; prevenção da perda de espécies através de instrumentos legais que impeçam a sobrepesca; educação ambiental; projetos de infraestrutura com redução de impactos; redução da poluição e tratamento de esgotos; programas de compensação ambiental; ações de marketing para serviços e produtos locais e finalmente, implantação de programas de biomonitoramento de longo prazo com vistas à manutenção da “saúde” do ecossistema.
Estudos de populações de peixes e marcos regulatórios da pesca no estado do Mato Grosso
Os estudos realizados na Bacia do Rio Paraguai, coordenados e publicados pela Agência Nacional das Águas (ANA, 2020) evidenciaram que as espécies migradoras de peixes, são responsáveis pela maior parte da produção pesqueira da pesca profissional artesanal e são as principais espécies alvo da pesca esportiva.
Por do sol no Pantanal (Foto do autor) |
Por serem espécies migradoras necessitam da continuidade e a liberdade para poderem cumprir seu ciclo anual migratório. Assim a conectividade e interação do fluxo gênico ao longo da bacia é importante para a manutenção de populações sustentáveis destas espécies.
De um modo geral, há no país um monitoramento da pesca nos nossos rios, especialmente através do controle do desembarque de peixes, praticado, seja pela pesca profissional, seja pela pesca amadora, de turismo ou difusa, entretanto, este acompanhamento se dá muito através de pesquisa de levantamento que se baseiam especialmente a partir de autodeclaração, o que pode tanto subestimar como superestimar a captura prejudicando a fidelidade dos dados.
Atualmente, não são aplicadas metodologias consistentes e amplamente adotadas com vistas ao monitoramento das populações de peixes, o que dificulta a formulação de políticas públicas e regulatórias eficazes para a exploração sustentável dos recursos naturais. Essa lacuna impede a definição adequada de cotas de pesca e tamanhos mínimos de captura, essenciais para garantir a racionalidade na utilização dos recursos pesqueiros. A implementação de uma abordagem sistemática e baseada em dados científicos, seria fundamental para assegurar a preservação das espécies e a sustentabilidade da atividade pesqueira.
Os dados de literatura corroboram estas afirmações de modo que os resultados destes levantamentos não seguem uma escala temporal regular e nem mesmo possui uma metodologia padronizada ou encontra-se direcionada a espécies que poderiam ser identificadas como indicadores biológicos efetivos. Estes estudos são importantes e trazem informações científicas pontuais de trechos específicos, de sub-bacias ou de poucas espécies ou grupos de espécies assim, apesar da importância científica destes estudos, eles não podem ser utilizados para a elaboração de políticas públicas e regulatórias conforme preconiza a FAO, conforme já citado anteriormente.
Tomas et al. (2019) afirmam através de uma revisão de literatura que apenas a espécie Pacu (Piaractus mesopotamicus), espécie mais capturada nas pescas não profissionais, tem apresentado sinais de sobrepesca, afirmam também que três outras espécies de bagres parecem estar com suas populações abaixo de seu rendimento máximo sustentável (Pintado, Pseudoplatystoma corruscans, Cachara, P. reticulatum, e Jaú, Zungaro jahu). Entretanto, todas estas afirmações são baseadas em levantamentos publicados entre os anos de 2007 e 2016, corroborando com o que afirmamos acima, sobre a falta de regularidade temporal e metodológica dos levantamentos, além do descolamento geográfico e metodológico destes estudos.
Na mesma linha, Ross (2006), em seu trabalho, o qual teve o objetivo de avaliar o Plano de Conservação na Bacia do Alto Paraguai (PCBAP), envolvendo várias instituições nacionais e estaduais voltadas à pesquisa e ao desenvolvimento, iniciado em 1992 sob a coordenação do Ministério do Meio Ambiente. O autor afirmou que o Zoneamento Ecológico proposto no projeto não é autossuficiente para estabelecer uma política de conservação. Continua afirmando que é necessário, também, promover medidas complementares, de caráter institucional ou até mesmo de intervenção, no sentido de implementar as diretrizes sugeridas para disciplinar o uso e ocupação das terras e reordenar os espaços físico-territoriais das áreas a mais tempo ocupadas do país. Finalmente define que metodologias para o PCBAP, devem estar em consonância com as metas a serem atingidas e que são: correção e prevenção; incentivo às atividades econômicas compatíveis com o desenvolvimento sustentável e; articulação político institucional de gestão integradas entre Municípios, Estado e União, de modo que a Gestão Ambiental deve ser voltada ao monitoramento da qualidade ambiental, a fiscalização (grifo nosso) das atividades humanas de interesse ambiental e o controle/acompanhamento das atividades econômicas licenciadas.
Num trabalho muito recente publicado pela ANA (2020) sobre a região do Baixo Rio Paraguai, o qual foi realizado entre vários outros temas, o monitoramento da pesca profissional artesanal, pesca difusa e turismo de pesca, o qual já citamos, além de apresentar uma abordagem econômica, social e ambiental integrada, teve seus dados sobre as populações de peixes obtidos a partir de pesquisa por amostragem auto declaratória e apontou uma captura de 4.995 toneladas de peixes por ano, sendo que 40% deste total seriam das espécies da BAP que estão definidas na Lei do Transporte Zero do MT. Esta captura trata apenas da pesca profissional, sendo que a CPUE (Captura por Unidade de Esforço), que mede a quantidade de kg de peixe/pescador/dia de pesca, apresentou uma média de 8,60 kg/pescador/dia, variando de 6,70kg/pescador/dia para o Mato Grosso e 14,20kg/pescador/dia para o Mato Grosso do Sul. Não foram apresentados os dados para a pesca difusa e nem para a pesca turística, apenas os valores globais das receitas estimadas em cada uma das atividades, porém fazendo a ressalva que nestas últimas, os dados de valores envolvem também atividades econômicas vinculadas à pesca, como lojas de insumos, alimentação, hospedagem, etc.
Já Catella et al. (2017), em seu estudo sobre o monitoramento da pesca em Mato Grosso do Sul, Bacia do Alto Paraguai, encontrou uma captura de 330 toneladas de pescado pela pesca artesanal e esportiva, com uma CPUE mediana mensal, por pescador profissional de 6,30 e 10,46 kg/pescador/dia e com rendimento entre 2,40 e 3,22 kg por pescador por dia para a pesca esportiva. Importante salientar que este estudo se baseia pelo controle dos desembarques, através do preenchimento pelas autoridades estaduais das Guias de Controle de Pescado – GCP. Usando a mesma metodologia, estes autores apresentaram os volumes pescados na mesma região (Figuras 01 e 02), entre os anos de 1994 e 2017. Os dados envolvendo as 16 principais espécies capturadas na BAP, no Estado do Mato Grosso do Sul, demonstram uma linha de tendência constante de redução nas capturas, ao longo dos anos, para 15 das espécies, sendo verificado um aumento apenas para a espécie exótica Tucunaré (Clchla sp), um predador de topo de cadeia, característico de águas lênticas, predador emboscador diurno, apesar de que, em termos absolutos esta espécie representar, até 2017, entre 3,0 e 3,5% do total de peixes capturados. Porém, não deixa de ser preocupante, pois o aumento de sua captura tem sido consistente nos últimos quatro anos do período verificado.
FIGURA 01: Evolução dos volumes de captura total da pesca profissional, em toneladas, das 16 principais espécies de peixes na BAP, estado de Mato Grosso do Sul (Catella et al., 2017).
FIGURA 02: Evolução dos volumes de captura total da pesca esportiva, em toneladas, das 16 principais espécies de peixes na BAP, estado de Mato Grosso do Sul (Catella et al., 2017).
É alarmante observar que, de acordo com dados ainda mais antigos, Catella (2003) relatou um aumento significativo nos volumes de pesca na Bacia do Alto Paraguai (BAP), que saltou de 1.007 toneladas em 1979 para 2.136 toneladas em 1984. No entanto, essa tendência de crescimento foi seguida por uma drástica redução: em 1994, a captura caiu para aproximadamente 1.500 toneladas, e a partir de então, a região experimentou uma tendência consistente de declínio, culminando em cerca de 350 toneladas em 2017 (Catella, 2017). Esses dados evidenciam a necessidade urgente de estratégias eficazes para reverter essa situação preocupante e assegurar a sustentabilidade das populações de peixes na BAP. É evidente então que estão ocorrendo eventos e ações, especialmente antrópicas que têm afetado significativamente o número efetivo de indivíduos nas populações de peixes na Bacia. Esse autor ainda afirma que esta redução tem ocorrido apesar do endurecimento das regulamentações legais que tornam mais rígidas as regras de uso de traias de pesca, como redes e permitindo apenas a pesca com anzóis ((Portaria Sudepe/MS nº 25/1983 e Decretos Estaduais nº 5.646/1990, 7.362/1993).
Em estudos recentes sobre ovos e larvas na Bacia do Alto Paraguai (BAP), no estado de Mato Grosso, Souza et al. (2023) coletaram um total de 8.635 larvas, abrangendo 55 táxons distribuídos em 25 famílias. Entre as espécies migratórias identificadas, destacam-se Brycon hilarii, Hemisorubim platyrhynchos, Piaractus mesopotamicus, Prochilodus lineatus, Pseudoplatystoma spp., Salminus brasiliensis, Sorubim lima e Zungaro jahu. Estes autores afirmaram que rios como Sepotuba, Paraguai, Jauru e Cabaçal devem ser considerados críticos para a conservação da conectividade longitudinal deste sistema fluvial, indicando que as espécies migratórias desovam rio acima, sendo necessários mecanismos de gestão de pesca mais eficientes, respeitando o período de desova das espécies migratórias, mantendo a qualidade e a conectividade longitudinal entre habitats, e as características necessárias para o recrutamento bem-sucedido de larvas.
Vaz et al. (2011) relataram, em estudos realizados na Bacia do Alto Paraguai (BAP), no estado de Mato Grosso, que a captura de peixes variou de 3.441 a 10.022 toneladas por ano entre 1980 e 1989. No entanto, entre 1990 e 1994, essa captura caiu drasticamente para cerca de 2.400 toneladas em toda a bacia. Os autores destacaram que as espécies pacu (Piaractus mesopotamicus), cachara (Pseudoplatystoma reticulatum) e barbado (Pirinampus pirinampus) estão em estado de sobrepesca.
Em um artigo onde aborta a pesca artesanal e recomendações para sustentabilidade Chiaravalloti, et al. (2022), sustentam que as comunidades tradicionais de pesca no Pantanal não são responsáveis pela redução dos estoques e através do conhecimento tradicional realizam iniciativas sustentáveis de exploração comercial e de subsistência sob os estoques de peixes, citam vários artigos e trabalhos de levantamento de estoques, porém em toda a sua abordagem de um modo ou de outro, de forma direta ou indireta, apontam para a necessidade de uma gestão contínua, sistemática e com embasamento científico sólido para a avaliação da evolução do estado dos estoques com políticas participativas de longo prazo.
Em um trabalho de levantamento de ictiofauna realizado no Parque Nacional Matogrossense, com 136.000 ha e criado em 1981 pelo Decreto nº 86.392. O estudo ocorreu entre os anos de 2010 e 2011 e somente publicado em 2017, Polaz et al. (2017). Os autores identificaram uma grande biodiversidade de peixes, com 18.954 indivíduos que foram coletados e distribuídos em nove ordens para 31 famílias e 146 espécies de peixes de água doce. Destas, identificaram a contribuição percentual das principais ordens presentes no ambiente que foi constituída por: Characiformes (69 espécies; 47,3%) e siluriformes (50 espécies; 34,2%), seguidas por Perciformes (11 espécies; 7,5%) e Gymnotiformes (11 espécies; 7,5%). Ressaltam ainda que essas quatro ordens representaram 96,5% do total de assembleias de peixes, sendo que o maior número de espécies estava dentro da família Characidae (25,3%), seguido por Loricariidae (10,3%) e Cichlidae (6,8%). Os autores usaram o IIB (índice de Integridade Biológica) para avaliar as populações de peixes neste trecho da BAP, uma área protegida, sem pesca e sem visitação há 30 anos, completados quando ocorreu o estudo. No estudo, nenhum sítio foi classificado como ruim, 19 foram excelentes (IBIPNP ≥ 35) e apenas 5 foram classificados como razoáveis ??(IBIPNP entre 22 e 34). Em 2010, com exceção de P10 (“razoável”), todos os sítios se enquadraram na melhor classe de integridade (“excelente”), e em 2011, enquanto P10 aumentou de “razoável” para “excelente”, quatro pontos de coleta (P3, P4, P5 e P9) tiveram suas pontuações diminuídas (de “excelente” para “razoável”). Esses resultados podem atestar a eficiência de medidas regulatórias de restrição de pesca na manutenção de populações sustentáveis de peixes e manutenção da biodiversidade local, apesar que as diferenças de intensidade nos pulsos de inundação que ocorrem a cada ano, podem afetar sazonalmente estas populações.
Nos Estados Unidos, Canadá e em vários países da Europa, na maior parte dos rios, os levantamentos são regulares a anuais e as cotas, tamanhos e temporada de captura das principais espécies exploradas são atualizados e publicados anualmente. É claro que a complexidade de biodiversidade em países tropicais como o Brasil, complicam estas análises, pois há uma grande variedade de espécies exploradas, mas a identificação de espécies que sejam indicadores biológicos de qualidade e equilíbrio ambiental podem ser ferramentas fundamentais nestes levantamentos com vistas a definição de políticas públicas e marcos regulatórios. De modo geral, os autores consultados defendem que os administradores da pesca devem se livrar da visão governamental paternalista e tomar as decisões de regulamentação baseadas sob critérios científicos bem embasados e discutidos com a sociedade envolvida.
"Pesca Zero: Reflexões sobre o Pesque e Solte e o Bem-Estar dos Peixes no Brasil"
No Brasil, em meados da década de 1990, a pesca amadora capturou em torno de 75% do pescado registrado no Pantanal do Mato Grosso do Sul e hoje ainda responde por 50% da produção nessa área (Petrere, 2014). Continua o autor afirmando que para cada peixe capturado e embarcado por pescadores amadores, no Pantanal, cerca de um peixe e meio foi capturado e solto, considerando apenas as espécies nobres, principalmente porque não atingiram o tamanho mínimo de captura.
Apesar de ser um tema polêmico, especialmente quando de direciona esta discussão para as evidências de senciência dos peixes (Volpato et al. 2007), o bem-estar do peixe que está sendo submetido a esta prática, como se a alternativa, o pesque e leve (grifo nosso) fosse uma atividade ou ação que neutralizasse qualquer tipo de sofrimento animal aos peixes capturados. O uso de instrumentos de pesca, como redes de espera, anzóis de galho, por exemplo podem submeter os animais há uma exposição longa a predadores em potencial, além de submeter os animais à fadiga física e até a morte por afogamento. O uso de instrumentos de pesca que permitem um tempo de captura relativamente breve ainda pode expor os animais ao estresse e à fadiga, especialmente à medida que esse tempo se prolonga. Após a captura, os peixes frequentemente são colocados em caixas de água com alta densidade ou amarrados em cordas ou linhas, como ocorre com os bagres. Em outros casos, podem ser retidos pelas guelras em forquilhas de galho, ou ainda podem ser abatidos imediatamente, colocados no gelo ou submetidos a práticas que podem ser tão agressivas ou até letais. Essas abordagens não garantem o cumprimento das diretrizes éticas de bem-estar animal, comprometendo a integridade do abate humanitário e a saúde dos peixes.
Assim, colocar a prática de pesque e solte como uma prática que sozinha ou isoladamente não atende a estes preceitos éticos de bem-estar animal seria uma aberração técnica, quando de modo geral, todas as outras práticas de captura e abate dos peixes nas pescas industriais, profissional, artesanal, difusa ou esportiva provocam o sofrimento em maior ou menor grau. Desse modo, uma discussão sem viés ideológico deve ser realizada com o objetivo de se avaliar a viabilidade e possibilidade da aplicação de ações que possam minimizar o sofrimento animal em todas estas atividades de pesca. Neste sentido Cooke e Cows (2006) afirmam que os esforços para gerenciar e conservar as pescarias, sejam elas, comerciais, artesanais ou esportivas, devem reconhecer que os problemas, ameaças e soluções, podem ser semelhantes, mesmo estas modalidades sendo fundamentalmente e filosoficamente diferentes. Ainda definem que as falhas em reconhecer as similaridades polarizará ainda mais esses setores e retardará os esforços para conservar os recursos pesqueiros.
A atividade pesqueira de qualquer tipo, seja comercial, de subsistência ou recreativa, têm o potencial de afetar negativamente os peixes e as pescarias, bem como os ambientes aquáticos.
Os autores Cooke e Philipp (2004) em seu estudo que trata do comportamento e mortalidade de peixes ósseos capturados e soltos, demonstraram que os benefícios do pesque e solte rapidamente, minimizando o manuseio e principalmente a exposição ao ar e que em locais onde a ameaça dos predadores naturais da espécie capturada é real, deve-se evitar a soltura imediata nestes locais.
Em pesquisas realizadas pelo mesmo grupo de autores citados anteriormente, Cooke e Sneddon (2007) destacaram que, embora a consideração do bem-estar dos peixes seja fundamental, essa preocupação ainda é percebida como abstrata por muitos pescadores e gestores pesqueiros. No entanto, a prática de pesque e solte, por exemplo, não apenas beneficia os peixes individualmente, mas também contribui positivamente para a saúde das populações pesqueiras e para a sustentabilidade da atividade. Portanto, é evidente a necessidade de uma maior integração em torno do bem-estar nas pescarias, tanto recreativas quanto comerciais, visando desenvolver soluções inovadoras que minimizem a dor e o sofrimento dos peixes. Essas ações, que por sua vez, devem promover melhorias na conservação e no gerenciamento dos recursos pesqueiros. Importante ressaltar que as diferentes modalidades de pesca devem ser analisadas com o mesmo rigor, sem compartimentalizações que limitem uma visão holística do problema.
Bartholomew e Bohnsack (2005), em uma meta-análise sobre a pesca de captura e liberação, identificaram uma distribuição distorcida da mortalidade durante o processo de liberação, com uma mediana de 11% e uma média de 18%. Esses valores se mostraram semelhantes para espécies de água doce e salgada. A mortalidade está relacionada a fatores como a localização da fisgada, a presença de farpas nos anzóis e a profundidade em que a fisgada ocorre na cavidade bucal do peixe. Os autores enfatizam que a pesca de captura e liberação tem se tornado uma prática crescente e cada vez mais relevante e que a ocorrência comum de mortalidade por liberação, no entanto, requer uma avaliação cuidadosa para atingir os objetivos de gestão da pesca.
Estudos fisiológicos realizados em “black-bass” (Micropterus salmoides), demonstraram que após um exercício exaustivo, simulando a pesca, os peixes, independente da temperatura da água, retomam seus batimentos cardíacos e estado basal em até 135 minutos e que a exposição ao ar deve ser a mínima possível, indicando como tempo máximo de até 30 segundos (Cooke et al. 2003). Como estes estudos foram realizados em laboratório para que se pudesse implantar o Doppler cardíaco, os dados podem ser extrapolados não só para a pesca esportiva, mas também para qualquer tipo de pesca que submeta o peixe ao esforço físico exaustivo.
Sanches (2015) conduziu uma avaliação de uma espécie altamente valorizada na pesca esportiva e sensível ao estresse, analisando 287 indivíduos identificados por microchips que foram submetidos à prática de pesque-e-solte e determinou que o tempo crítico para o manuseio da espécie após a captura é de 546 s, com maior risco de morte após este tempo, esse tempo foi cerca de 15 vezes maior que o apresentado nos estudos com black-bass realizado por Cooke et al. (2003). Também puderam verificar que o crescimento orgânico dos indivíduos pescados e liberados não foi alterado, concluindo que a atividade de pesque-e-solte é uma ferramenta de manejo eficiente com o objetivo de auxiliar a conservação de uma espécie.
Em um estudo acerca do bem-estar em peixes, onde os autores confrontam seus dados com os dados apontados na revisão de Arlinghalls et al. (2007), Adans et al. (2007), apesar de nos dois estudos haver consenso quanto à necessidade de que se haja uma preocupação das atividades de pesca esportiva com o bem-estar em peixes, e que as ações de captura podem causar injúrias físicas e fisiológicas nos peixes, ainda não há consenso sobre uma distinção clara entre a abordagem deste tema do ponto científico e do ponto de vista ideológico e ambos os artigos defendem que a abordagem ideológica deve ser deixada de lado. Porém, nós defendemos ainda a ideia de que toda inferência sobre bem-estar de peixes que são feitas para a pesca esportiva devem ser estendidas para as demais modalidades de pesca, seja ela industrial, profissional, artesanal ou difusa, especialmente quanto aos aspectos de exposição do peixe ao estresse e seu abate. Qualquer discussão que deixar de lado esta abordagem pode estar condenada ao questionamento ético.
Benefícios sócio-econômicos da pesca esportiva
Segundo Arlinghalls et al. (2009), a exploração humana de peixes e outros animais aquáticos, como crustáceos e mamíferos, é virtualmente onipresente na Terra e, desde os tempos antigos, fornece à humanidade alimentos, renda e outros bens sociais, como recreação, ressaltam os autores que atualmente cerca de 730 milhões de pessoas pesquem recreativamente no mundo.
Vários estudos apontam que uma comunidade de pesca recreativa consciente da necessidade de conservação representa uma das maiores forças potenciais para a conservação da biodiversidade aquática. Havendo exemplos de que em alguns países, as partes interessadas na pesca, como as associações de pesca, pressionaram os governos a formular legislação ambiental e foram as forças motrizes para várias revisões legais subsequentes (Kirchhofer, 2002 in Arlinghaus e Cooke, 2009). Ainda se constata que quando se possui uma proporção relativamente alta da sociedade que mantém contato com a natureza por meio de vínculos com a pesca recreativa, consequentemente tende a ser mais sensível a questões ambientais do que a maioria de uma população cada vez mais urbana (Arlinghaus, 2006).
Estes mesmos autores ainda asseveram que enquanto o nível de pesca estiver dentro do potencial compensatório das espécies exploradas (por exemplo, aumento do crescimento e da fecundidade em resposta ao declínio populacional induzido pelo homem), a extinção é muito improvável, e que não há exemplos óbvios em que a pesca recreativa por si só tenha levado à extinção de uma espécie (Arlinghaus et al., 2002), mas sim, pode ter o potencial de declínio populacional ou mudanças na estrutura das espécies exploradas (Lewin et al., 2006). Assim, podemos inferir que qualquer outro tipo de pesca também tem esse mesmo potencial.
O fator de maior impacto potencial que a pesca pode gerar sobre uma espécie, ocorre especialmente quando a espécie explorada tiver baixa fecundidade e alta idade de maturação e ainda for de fácil captura devido à associação da espécie com estruturas de habitat facilmente identificáveis ??(por exemplo, presença macrófitas submersas) (Post et al., 2002).
A pesca recreativa, em sua essência, é caracterizada pela seletividade em relação a diversas variáveis, como espécie, tamanho, idade, sexo e comportamento dos peixes, conforme destacado por Cooke et al. (2007). Essa seletividade é influenciada não apenas pelas preferências dos pescadores, mas também por regulamentos que regem a atividade. Além disso, é importante ressaltar que, no contexto da pesca comercial, essa seletividade é amplificada pelo valor comercial das espécies, que determina as estratégias de captura e as práticas de manejo adotadas em todos os níveis da atividade pesqueira.
A seletividade abordada aqui e em vários outros textos, pode provocar além de mudanças ecológicas, truncamento na estrutura populacional e respostas evolutivas se determinados tipos ou fenótipos forem submetidos a maior pressão de pesca ou se forem menos capazes de reproduzirem-se (Jørgensen et al., 2007).
Este potencial de mudança evolutiva induzido pela caça e pela pesca que é observado em muitos estudos, não foi universalmente apreciado pelos gestores de pesca e vida selvagem, especialmente devido à plasticidade fenotípica das populações e pela dificuldade de se atribuir esta indução às mudanças à pesca, embora os autores atribuam que os pré-requisitos para as mudanças evolutivas nas populações de peixes existam na pesca recreativa (Arlinghaus et al, 2009).
Sem risco de errar, é possível atribuir esse potencial de mudança a todas as modalidades de pesca. Dessa forma, as normas que regulam a seletividade nas pescarias podem ter efeitos deletérios às populações de peixes. Para confirmar essas implicações, é fundamental realizar estudos contínuos e sistemáticos, que considerem avaliações detalhadas por meio de ferramentas genéticas que possam atestar sua integridade e sustentabilidade populacional a longo prazo. Essas abordagens podem fornecer evidências concretas sobre as alterações ou a integridade genética das populações naturais, permitindo uma gestão mais eficaz e sustentável dos recursos pesqueiros
Há de acordo com Arlinghaus, 2006, um interesse crescente em desenvolver estratégias de gestão de peixes e vida selvagem mais integrativas que sejam adaptáveis às condições de mudança em longo prazo. De modo que, segundo estes mesmos autores, para facilitar essas abordagens, há uma necessidade urgente de integrar ciências biológicas e sociais com o intuito de fornecer abordagens sobre a dinâmica de todo o sistema socioecológico da pesca esportiva e acrescentamos também do mesmo modo para qualquer modalidade de pesca.
Para que se possa qualificar as políticas de restrição ao uso dos recursos e conservação será necessário uma maior incorporação de lições das ciências sociais é necessária para entender (Arlinghaus, 2004, 2005, 2006). Assim, é necessário que se ampliem os recursos financeiros e humanos para que se possa cumprir de forma adequada os objetivos da sustentabilidade das diferentes modalidades de pesca, em especial em ambientes sensíveis como ambientes alagáveis.
Por fim, é importante também levar em conta a abordagem socioeconômica-ambiental, citamos os dados do Projeto Rio Vivo, da Secretaria de Desenvolvimento Sustentável do Governo do Paraná que visa a preservação da vida aquática nas 16 bacias hidrográficas do Estado, oferecendo melhores condições para seu desenvolvimento, exploração de suas vocações, melhoria social das populações lindeiras e conservação ambiental. Neste projeto, segundo Andretta (comunicação pessoal, 2024), a partir de um levantamento do Impacto econômico gerado pela pesca esportiva no Estado do Paraná, primeiramente os atores participantes do projeto precisam se adequar ao rito constante do caderno de encargos com ações relativas à sustentabilidade almejada e estas atividades consistem basicamente em pesca na exclusiva modalidade pesque e solte e aferição dos peixes na forma “vídeo soltura”, além de atividades e contrapartidas ações de educação ambiental e levantamento estatístico da ictiofauna e impacto econômico de cada evento, neste sentido, os dados do projeto a partir do levantamento dos dados das fichas estatísticas monitoradas no período de 12 meses os números alcançados são bastante representativos. Por exemplo, em todos os eventos em um período de 12 meses, participaram 1.158 embarcações, com um total de 3.470 participantes, sendo 6.581 peixes catalogados e um público aproximado de 10.000 pessoas em todos os eventos neste período, gerando uma receita para os municípios de R$ 6.444.343,00 e a partir destes números, cada peixe pescado tem um valor estimado de R$ 979,23, movimentando todo a economia local e regional, além de promover a soltura de todos os peixes capturados, que poderão gerar renda posteriormente em outros eventos.
Dados de captura e recaptura de peixes
No estudo de Azevedo (2017), utilizando-se de captura, marcação e recaptura, encontrou para as espécies, uma territorialista e outra de movimentação ativa. Dos 861 peixes capturados e marcado das duas espécies, 15,5% foram recapturadas entre 15 a 25 dias pós marcação e soltura.
Já nos estudos de Klipp et al. (2017), marcaram 1358 peixes de 15 espécies diferentes em rios da região Norte do Brasil, apesar de obterem índices de recaptura após a marcação de 1,32% a 10,74% nos diferentes rios estudados, porém os relatos de recaptura realizados por pescadores que participaram do projeto indicaram distâncias de recaptura de 11 a 51km de distância do local de marcação e um relato de uma recaptura há cerca de 710km de distância em um período de 63 dias. Assim, considerando-se a limitações probabilísticas da recaptura ocorrer em uma área natural aberta com alta ocorrência de espécies, os resultados mostraram que a sobrevivência de peixes após a realização de pesque e solte é viável. De Paula (2006), afirma que, no caso de população animal, fatores como clima, época do ano e tamanho do animal, podem afetar a probabilidade de recaptura.
Resultados muito superiores de recaptura foram obtidos por Suzuki et al. (2008) que em um estudo populacional em um córrego, marcaram 91 animais e recapturaram 44,9% dos indivíduos, ressaltando a importância dessa metodologia, marcação e recaptura, para um melhor entendimento da história natural dos peixes e da sua interação com o ambiente, indispensáveis nos estudos direcionados à preservação e conservação da espécie. Conclui-se, portanto que o ato da pesca com a captura dos peixes, não é por si só uma ação que se configura no sofrimento demasiado ou na morte do animal.
Considerações finais
A promulgação da Lei nº 12.434/2024, que institui a proibição do transporte, armazenamento e venda de cinco espécies de peixes na Bacia do Alto Paraguai, sinaliza um avanço crucial na busca pela preservação da biodiversidade e pela sustentabilidade dos recursos pesqueiros, seguindo os direcionamentos da FAO e de outras instituições. Esta legislação reflete um reconhecimento das pressões enfrentadas pelas populações de peixes e a necessidade urgente de implementar medidas que garantam a recuperação e a manutenção das populações aquáticas, vitais para o ecossistema do Pantanal e para as comunidades que dele dependem.
Peixes do Rio Paraguai (foto do autor) |
Contudo, a eficácia dessa lei não pode ser analisada isoladamente. É imperativo que os efeitos de sua implementação sejam medidos e monitorados na dinâmica populacional das assembleias de peixes de forma contínua e sistemática através do emprego de metodologias de amostragem adequadas e com o uso de ferramentas genéticas que possam atestar tanto as alterações na estrutura, quanto na integridade das populações de peixes avaliados nestes estudos. Essas espécies envolvidas nestes estudos devem ser selecionadas a partir de sua importância ecológica para que possam atuar como indicadores biológicos dos ambientes a serem avaliados.
Além disso, o fortalecimento do monitoramento das populações de peixes é crucial para a efetividade da lei. A ausência de dados robustos e a dependência de autodeclarações na coleta de informações sobre a pesca dificultam a formulação de políticas regulatórias eficazes. A adoção de metodologias científicas rigorosas permitirá uma compreensão mais clara do estado das populações de peixes e das dinâmicas pesqueiras, essencial para o desenvolvimento de estratégias que assegurem tanto a conservação ambiental quanto a viabilidade econômica.
Nesse contexto, as comunidades que tradicionalmente se dedicam à pesca enfrentam desafios econômicos significativos, evidenciados pela baixa renda média mensal e pela dependência do seguro defeso. A promoção da pesca esportiva surge, então, como uma alternativa viável e potencialmente lucrativa. O turismo de pesca, ao atrair visitantes para a região, não só oferece uma nova fonte de renda, mas também incentiva a conservação das espécies, uma vez que a sustentabilidade se torna uma prioridade para garantir a continuidade dessa atividade.
A seletividade característica da pesca esportiva, aliada à necessidade de regulamentos que preservem as espécies, é vital para evitar declínios populacionais e mudanças na estrutura das comunidades aquáticas. Contudo, é crucial que gestores e pesquisadores reconheçam o potencial de mudança evolutiva que essa prática pode induzir, garantindo que as normas de pesca sejam continuamente avaliadas e ajustadas. A integração entre ciências biológicas e sociais é imperativa para o desenvolvimento de estratégias de gestão mais eficazes e adaptáveis, especialmente em ambientes ecologicamente sensíveis.
O exemplo do Projeto Rio Vivo no Paraná ilustra como a pesca esportiva pode ser organizada de forma a gerar impacto econômico positivo, enquanto promove práticas sustentáveis. Com resultados que demonstram não apenas a viabilidade econômica, mas também a importância da preservação dos recursos pesqueiros, fica evidente que, quando bem gerida, a pesca esportiva pode ser uma ferramenta poderosa para o desenvolvimento sustentável. Portanto, o fortalecimento de iniciativas que alinhem conservação, educação ambiental e benefícios socioeconômicos é essencial para garantir a saúde a longo prazo dos ecossistemas aquáticos e das comunidades que deles dependem.
Por fim, é fundamental promover uma abordagem integrada que considere as interações entre os aspectos ecológicos, sociais e econômicos, conforme recomendado por organismos internacionais, como a FAO. O envolvimento das comunidades locais nas discussões e na tomada de decisões sobre gestão pesqueira é vital para criar um senso de pertencimento e responsabilidade. Somente por meio de uma colaboração efetiva entre governo, cientistas e comunidades, livre de viés ideológico, será possível construir um futuro sustentável para a pesca na Bacia do Alto Paraguai, garantindo que os recursos naturais sejam preservados para as gerações futuras e que as tradições pesqueiras, incluindo a pesca esportiva, continuem a prosperar de maneira digna e sustentável.
1Zooecnia (Bacharelado) Universidade Estadual de Maringá (UEM), 1987; Mestre em Genética e Melhoramento Genético, e Doutor em Ecologia de Ambientes Aquáticos Continentais – NUPELIA/UEM, - Professor Associado do Departamento de Zootecnia da Universidade Estadual de Maringá, atua nas áreas de Genética e Melhoramento Genético de Peixes, Manejo e Planejamento em Projetos de Piscicultura de Água Doce, Reprodução e Biotecnicas Reprodutivas, além Avalição Genética de Populações de Peixes e Projetos de Avaliação Ambiental. Possui mais de 200 artigos publicados em revistas indexadas nestas áreas do conhecimento. rpribeiro@uem.br,
2 Zootecnia (Bacharelado) - Universidade Estadual de Maringá (UEM), 2003; Mestre e Doutor em Produção Animal - UEM, com foco em biotecnologia da reprodução de peixes nativos. Pós-Doutorado - Universidade de Auburn, EUA (2019 – 2021). Pós-Doutorado - Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), vigente. Atua nas áreas de Aquicultura, Nutrição de peixes, Reprodução de peixes nativos, Projetos de piscicultura sustentável, Avaliação de impactos ambientais. Grande experiência em aquicultura, dedicado ao desenvolvimento de práticas sustentáveis e avaliação de impactos ambientais. Com formação sólida e formação pós-graduada em renomadas instituições, darci.peixegen@gmail.com
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Diagramação e arte: Antônio Oliveira.
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