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MULHERES DA AQUICULTURA – “Muitas vezes me coloquei em tarefas que, talvez, pudesse ou devesse encarar para mostrar que ser mulher não me tornava fraca ou supérflua”, diz Ana Paula Guerrelhas Teixeira
Data de Publicação: 10 de maio de 2023 09:30:00 A série traz, hoje, Ana Paula, do RN. Neste bate-papo que teve como entrevistadora convidada a jornalista Fabi Shakila, do site Seafood Brasil, a jovem empreendedora fala não apenas da liderança das mulheres na aquicultura mas, também, de sua carreira e das perspectivas da carcinicultura no litoral e em águas continentais #mulheres da aquicultura #ana Paula guerrelhas Teixeira #mulheres do agro #carcinicultura #liderança feminina #entrevista
Por Antônio Oliveira
No momento em que editava esta entrevista, cada vez mais encantado com a força e o conteúdo intelectual e empreendedor das mulheres da aquicultura, ouço por meio de um canal de TV na internet a repercussão da morte da roqueira Rita Lee que revolucionou o feminismo, a música e a forma de viver e ver a política brasileira. Rita marcou gerações. No agronegócio – faço a ligação -, no caso em tela, na aquicultura, percebe-se uma nova revolução, a cor-de-rosa – sem clichê. Mulheres que vêm assumindo liderança numa área ainda dominada pelos homens. Sem confronto e, graças ao respeito que elas nos impõem, sem traumas, ciúmes e machismo barato.
Graças a indicação da entrevistada que antecedeu a esta, a carcinicultora Márcia Kafensztok, que é, também do Rio Grande do Norte, encontramos mais uma dessas pérolas que orgulham não só o setor, como toda a sociedade e o Brasil: Ana Paula Guerrelhas Teixeira, sócia diretora da SynbiAqua, uma fazenda de cultivo de camarão marinho em sistemas de alta eficiência.
- Quando troquei o mestrado no CAUNESP por uma vaga pra gerenciar testes de campo em uma fazenda de camarão, aqui no Nordeste, tive um choque de realidade muito forte nesse sentido. A sensação era a de que tinha que a todo momento provar o “merecimento” daquela posição de gestão e o respeito de uma equipe só de homens -diz ela.
- Muitas vezes me coloquei em tarefas mais árduas e debates mais intensos do que, talvez, pudesse ou devesse encarar para mostrar que ser mulher não me tornava fraca ou supérflua. Com a experiência fui percebendo que o “pré-conceito” passava também por mim e conforme me empoderei da força e da capacidade que tinha, não me abalei mais com dúvidas alheias. Hoje me sinto bastante confortável no meio da aquicultura e na minha função de liderança dentro da fazenda - pontua.
Esta é Ana Paula Guerrelhas Teixeira, jovem esposa, mãe, empreendedora, discípula de Dorival Caymmi – por seu amor pelo Mar. Nesta entrevista, que teve como convidada a jornalista paulista do site Seafood Brasil, Fabi Fonseca, Ana Paula fala não apenas do espaço que as mulheres vêm conquistando entre os homens. Mas, também, de empreendedorismo, sua ligação com o Mar e da carcinicultura litoral e continental.
- A carcinicultura no Nordeste brasileiro trouxe desenvolvimento social e econômico para regiões sem outras perspectivas de desenvolvimento pelos seus ambientes ou localização – diz.
Segue a entrevista.
Centro-Oeste Farm News (COFARMNEWS) – Ana Paula, nós somos gratos por nos dar esta oportunidade de tê-la na série “Mulheres da Aquicultura”, uma indicação da Márcia Kafensztok, outra guerreira. Seja bem vinda. E a nossa convidada para esta entrevista é a jornalista paulista, Fabi Fonseca, do site Seafood Brasil, que inicia este nosso bate-papo.
Ana Paula Guerrelhas Teixeira – Muito obrigada por este convite, me sinto honrada de estar inserida numa série que já entrevistou mulheres tão incríveis do nosso setor. Marcia e Ana Carolina que me precederam nessa entrevista, no ramo da carcinicultura, são duas delas, me ensinaram lições valiosas e são parte muito importante da minha jornada de construção profissional e pessoal.
Fabi Fonseca – Ser mulher na atual sociedade brasileira não é uma tarefa muito fácil. Aliás, nunca foi - sobretudo quando a atuação profissional é em segmentos majoritariamente masculinos, como é o caso do pescado em geral. Assim, considerando as questões comuns às mulheres nestes lugares (a exemplo do machismo, sexismo, objetificação, hipersexualização, etc.) como você lida com estes desafios no cotidiano e qual o seu conselho para as mulheres que estão começando agora uma atividade de liderança?
Ana Paula G. Teixeira – Quando troquei o mestrado no CAUNESP por uma vaga pra gerenciar testes de campo em uma fazenda de camarão, aqui no Nordeste, tive um choque de realidade muito forte nesse sentido. A sensação era a de que tinha que a todo momento provar o “merecimento” daquela posição de gestão e o respeito de uma equipe só de homens. Muitas vezes me coloquei em tarefas mais árduas e debates mais intensos do que, talvez, pudesse ou devesse encarar para mostrar que ser mulher não me tornava fraca ou supérflua. Com a experiência fui percebendo que o “pré-conceito” passava também por mim e conforme me empoderei da força e da capacidade que tinha, não me abalei mais com dúvidas alheias. Hoje me sinto bastante confortável no meio da aquicultura e na minha função de liderança dentro da fazenda. Mas Fabi tem razão, e ser mulher na nossa sociedade não é fácil, pois ela ainda impõe uma ambiguidade incoerente de nós. Já viu aquela frase: “Trabalhe como se não tivesse filhos e crie filhos como se não trabalhasse”? É mais ou menos isso que esperam de nós, mesmo das que não são mães, e segue sendo bastante desafiador encontrar esse equilíbrio entre nossa ambição profissional e as demandas pessoais.
CONFARMNEWS – A Fabi volta mais na frente. Quem é Ana Paula Guerrelhas Teixeira fora da atividade profissional?
Ana Paula G. Teixeira – Sou dessas pessoas que quer fazer tudo, com todos, num tempo que não cabe no dia, por isso acordo logo as 4:30 da manhã. Para minha sorte, moro numa praia pequena e pacata no Rio Grande do Norte e meu fazer tudo tem que caber no que a natureza nos oferece. Isso me moldou desde que cheguei aqui, aprendi a amar os esportes da praia, tive a oportunidade criar minhas filhas com máximo contato com a natureza, e cada vez mais aprecio a paz do silêncio ao nosso redor.
COFARMNEWS – E dentro da carreira profissional e acadêmica?
Ana Paula G. Teixeira – Sempre fui muito determinada nos meus objetivos acadêmicos e profissionais, desde o dia que decidi cursar zootecnia na UFV (Universidade Federal de Viçosa). Mas aprendi a me permitir flutuar com as mudanças de objetivos e traçar novas rotas e metas, especialmente depois que me encontrei empreendendo. Hoje sou sócia diretora da SynbiAqua, uma fazenda de cultivo de camarão marinho em sistemas de alta eficiência. Empreender em aquicultura exige um dinamismo e flexibilidade gigantescos, não é só fabricar um produto, é criar vida, num ambiente complexo e fazer sair de lá um produto. Como sou muito exigente comigo e com meu trabalho (e meus sócios não ficam atrás nesse quesito), queremos ter o melhor produto, feito com a melhor eficiência e no melhor processo. Então é um desafio que nunca acaba, mas isso me move.
A diversidade também me motiva, por isso me aventuro em projeto paralelos novos, para sair da zona de conforto. Foi o caso da Cultura Aqua, nossa marca de roupas.
CONFARMNEWS – Tem o apoio total do esposo nesta sua liderança e independência? Maioria de nós, homens, às vezes apoiamos, mas, no fundo, temos uma pontinha de ciúmes.
Ana Paula G. Teixeira – Eu e meu esposo somos parceiros de trabalho há mais de 10 anos. Hoje partilhamos nossa liderança na SynbiAqua e, juntos, fundamos a Cultura Aqua. Assim, não teria como ser diferente, nos apoiamos muito. Ele tem o espaço de destaque dele e uma história profissional incrível, não há necessidade de ter ciúmes (rsrs).
"Me sentir parte do mar é algo fascinante,
me conecta e relembra que somos parte de
um todo muito maior e nossas escolhas
devem harmonizar como esse todo,
e não duelar"
(Foto: acervo pessoal)
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COFARMNEWS – No perfil enviado à nossa redação, você revela uma profunda paixão pelo mar. De que forma você justifica esta paixão, o que o mar lhe transmite?
Ana Paula G. Teixeira – Dizem que água salgada lava a alma e cura tudo. Pratico natação no mar e ele parece saber o dia de me dar um caldo para dar um “chacoalhão” e o dia de me levar num passeio a favor correnteza. Me sentir parte do mar é algo fascinante, me conecta e relembra que somos parte de um todo muito maior e nossas escolhas devem harmonizar como esse todo, e não duelar.
COFARMNEWS – Você demonstra uma grande paixão, também, pela aquicultura, especialmente pela carcinicultura. Por que esta atividade de fascina tanto?
Ana Paula G. Teixeira – Sou da segunda geração de aquicultoras na família, cresci vendo a indústria do camarão crescer junto. Confesso que até tentei ir por outros caminhos, mas a beleza de se trabalhar no ambiente aquático é apaixonante. Me encanta a ideia de que criamos um mini mundo em cada viveiro de cultivo que iniciamos.
COFARMNEWS – Você diria que, por meio de sua atividade profissional e da atuação produtiva da sua empresa, está dando a sua cota de contribuição para um mundo social e ambientalmente mais justo?
Ana Paula G. Teixeira – Sem dúvida alguma. A carcinicultura no Nordeste brasileiro trouxe desenvolvimento social e econômico para regiões sem outras perspectivas de desenvolvimento pelos seus ambientes ou localização. Dentro da SynbiAqua consigo ir mais além e participar do desenvolvimento pessoal e técnico do nosso time. Valorizamos a cultura de criar o profissional dentro de casa, e é extremamente gratificante vê-los crescer, dentro e fora da fazenda.
Paralelo a esse aspecto, acredito piamente que produzir não é sinônimo de destruir e levanto essa bandeira desde sempre. Ter minha própria fazenda e fazer o certo é a oportunidade de colocar isso em prática e ser exemplo para outros produtores.
COFARMNEWS – As principais mulheres que fazem a aquicultura brasileira estão reunidas num grupo de mais de 300. O que vocês pretendem com esse movimento?
Ana Paula G. Teixeira – Creio que a palavra fortalecer (ela dá ênfase à esta palavra) pode representar bem o objetivo não só desse grupo, mas de todo os movimentos de união das mulheres que ascendem no Agro. Unir forças, não para uma guerra, mas para crescer, valorizar as tantas mulheres protagonistas no setor, acolher quem chega no ramo, inspirar outras colegas e ganhar novos espaços de atuação e representação. Como disse a Fernanda Queiroz, buscar a equidade não é buscar superação ou competir.
COFARMNEWS – Vocês intimidam a liderança dos homens do setor?
Ana Paula G. Teixeira – Não vejo assim, mas de fato existe uma baixa presença feminina nas lideranças setoriais no mundo Aqua.
Fabi Fonseca – Conforme a Associação Brasileira de Criadores de Camarão (ABCC), a produção de camarão brasileiro de cultivo deve atingir a marca de 180 mil toneladas em 2023 - um número expressivo para a gente porque, finalmente, o País passou de 100 mil toneladas, mas ainda baixo quando comparado com as grandes potências produtoras. Assim, é perceptível como o camarão brasileiro de cultivo vem traçando um longo e difícil caminho para retomar a produção em grandes volumes e, sobretudo, à exportação. Diante disso, você acredita que no caminho atual, o Brasil consegue voltar em breve a ser uma grande potência na produção de camarão de cultivo considerando que em nosso caminho ainda há velhos e importantes entraves como a questão da sanidade, o retorno à exportação e o aumento de consumo per capita de pescado?
Ana Paula G. Teixeira – A nossa atividade vem crescendo em produção e em número de produtores, com ritmo acelerado nos últimos 5 anos. Os desafios enfrentados, inclusive sanitários, não são uma exclusividade do Brasil, e assim como nos outros países, fazem parte da evolução e findam ajudando no fortalecimento da indústria
Sobre uma retomada da nossa participação no mercado externo, sem dúvidas, há muito trabalho ainda a ser feito. Atualmente, a pesca e aquicultura do Brasil aguardam a liberação para voltar a exportar para Europa, que é um grande mercado consumidor. A carcinicultura aguarda também autorização para exportar camarão de cultivo para China, que é um dos maiores importadores de camarão do mundo. Mas é muito importante salientar que hoje temos também um mercado interno crescente. O Brasil, junto com o México, são os dois maiores mercados consumidores de camarão de cultivo da América Latina.
Fabi Fonseca – O potencial do Brasil para a produção de pescado já é conhecido por todo o mundo. Mas, muito mais do que produzir, também é preciso fazer o brasileiro comer mais pescado. Diante disso, qual é o papel do sistema produtivo na contribuição para esse aumento de consumo e como a SynbiAqua Cultivos Aquáticos vem atuando neste cenário?
Ana Paula G. Teixeira – O brasileiro ainda não consome nem 100g de camarão por mês, então o potencial de crescimento é enorme. Para aumentar esse consumo o camarão tem que chegar mais longe (interiorização da comercialização), durar mais tempo (maior tempo de prateleira, saindo da apresentação exclusiva do produto fresco) e ser mais acessível no sentido de preparos e porções mais práticas. Além disso, precisamos trabalhar na imagem de credibilidade na qualidade dos produtos.
A Synbiaqua é uma empresa ainda jovem, que está no seu 2° ano de produção, mas que entende claramente que conceitos relacionados a inovações irão fazer a diferença na sua expansão comercial. Hoje começamos a fazer investimentos em certificação para que o consumidor conheça a procedência e segurança do nosso produto, assim como estudos das principais formas de embalagens e valor agregado, de maneira que possamos ter o nosso diferencial no mercado.
COFARMNEWS – Na sua opinião, qual é o futuro da carcinicultura em águas continentais? O que falta para ela se deslanchar de vez?
Ana Paula G. Teixeira – Quando olho para o Nordeste brasileiro, tenho a sensação de que a carcinicultura em águas continentais já deslanchou. No Ceará, maior estado produtor do Brasil, apenas 29% das fazendas usam águas de estuário ou oceânicas, o restante produz com água de poço, açude ou rios. Também houve um aumento expressivo nas áreas de produção em água doce na PB, SE, AL, especialmente em pequenos produtores, nos moldes de aquicultura familiar.
Contudo, a produção fora do cinturão do NE brasileiro se mostra mais desafiadora, com desafios como a logística de insumos e matéria-prima, entre outros.
COFARMNEWS – A segurança alimentar do Planeta passa, também, pela aquicultura brasileira? E o setor inspira confiança na garantia de segurança?
Ana Paula G. Teixeira – Considerando que os principais países produtores aquícolas do mundo estão no limite do uso de suas áreas ou com perspectiva de crescimento limitadas, enquanto estamos no país que já foi considerado o maior potencial mundial para a aquicultura pela FAO, sem dúvidas podemos dizer que o Brasil pode, de forma sustentável, contribuir para o fornecimento de proteína aquática no mundo. Proteína essa, que tem consumo aumentando em níveis mais elevados até que o crescimento da população mundial.
Porém dependemos do despertar do apoio governamental para estimular e alavancar o desenvolvimento de muitas regiões. O Brasil ocupa lugar de destaque no fornecimento de proteína animal no mundo, e certamente com a proteína aquática não vai ser diferente.
CONFARMNEWS – Ana Paula, o espaço está a sua disposição para mais alguma coisa que você gostaria de expressar. Peço, também, como de praxe, que você indique uma colega, no grupo ou fora do grupo, para a próxima entrevista. No mais, o nosso muito obrigado.
Ana Paulo G. Teixeira – Mais uma vez agradeço o convite e a oportunidade de contar mais sobre nossa atividade para novos olhares. Gostaria de indicar para a próxima entrevista a Claudia Kerber, que está a frente da Redemar alevinos, e é uma pioneira da piscicultura marinha comercial no Brasil.
Ana Paula Guerrelhas Teixeira é carcinicultora no Rio Grande do Norte (Foto: acervo pessoal) |
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