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MULHERES DA AQUICULTURA – Claudia Kerber, liderança feminina à serviço do desenvolvimento da piscicultura e da fauna marinhas
Data de Publicação: 17 de maio de 2023 17:09:00 Claudia Kerber é sócia da Redemar – fundada por ela e o marido -, uma empresa pioneira em tornar peixes marinhos cada vez mais possíveis em cativeiro. Nesta entrevista, boas lições de liderança feminina e de empreendedorismo socioambientalmente responsável #mulheres da aquicultura #entrevista #liderança feminina #claudia kerber #peixes marinhos #alevinos de peixes marinho #garoupa #bijupirá
Por Antônio Oliveira
A cada entrevista com uma das centenas de mulheres que fazem a aquicultura brasileira, esta série – Mulheres da Aquicultura -, não só revela lições de vida, de empreendedorismo e de equilíbrio na parceria homens x mulheres. A série tem ido muito além da questão liderança feminina, não provocado por nós entrevistadores/editores, mas por essas mulheres maravilhosas, que dão um toque muito especial a um dos setores produtivos que mais crescem no Brasil, a aquicultura.
A médica veterinária, Cláudio Kerber, sócia de seu esposo na Redemar – Pedro Antônio dos Santos -, empresa fundada em 2008, surpreende não só por seu perfil de liderança feminina, mas pela aula que nos dá de várias nuances pessoal, profissional, embiental e científica. Ela foi indicada por sua antecessora nesta série de entrevistas, a carcinicultora potiguar Ana Paula Guerrelhos Teixeira
Terna e orgulhosa do marido que tem, ela mesmo legendou uma foto dela com o marido enviada à nossa redação: “Parceria de uma vida”.
Equilibrada na visão da importância do homem e da mulher na sociedade, ensina: “O masculino é aquele que se pendura no teto da estufa sobre o tanque com 4 metros de altura para consertar um plástico solto, depois mergulha em apneia no mar bravo para limpar um captador cheio de algas, levanta uma maca com peixes de 25 kg a uma altura de 2 metros. Essas atividades exigem força e uma dose de habilidades para risco. Já o perfil feminino é brilhante para monitorar zooplankton, observar e monitorar tanque de larvas, fazer tarefas que exigem cuidado, detalhamento e sistematização. Elas são incríveis. Então, acho que o masculino e o feminino, independente da questão do sexo binário, são complementares.”
Empreendedora, ensina: “Na região do Mediterrâneo, a garoupa verdadeira (Epinephelus marginatus) é uma espécie prevalente, protegida e de altíssima demanda. Com a reabertura dos mercados na Zona do Euro, a perspectiva de exportação é ótima. Para a Ásia, a perspectiva é ainda mais positiva, uma garoupa viva chega a custar 60 euros/Kg na época do Ano Novo Chines e já há tecnologia para o envio dos animais vivos.”
Responsável com o meio ambiente, noticia as várias parcerias que sua empresa mantém com várias instituições de proteção ao meio ambiente marinho.
Por fim, mostra um panorama pouco conhecido da pesca e aquicultura brasileiras, a piscicultura marinha, uma atividade relativamente nova em meio ao franco crescimento piscicultura de água doce.
Segue a entrevista.
Claudia Kerber e Pedro Antônio dos Santos:
"Parceria de uma vida", como ela faz questão de dizer
(Foto: acervo pessoal)
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Centro-Oeste Farm News (COFARMNEWS) – Claudia, seja bem-vinda a esta série de entrevistas com mulheres que fazem a aquicultura brasileira. Vocês enriquecem o nosso trabalho.
Claudia Kerber – Olá Antônio, obrigada pelo convite. Sempre importante compartilhar experiências.
COFARMNEWS – Uma pergunta que tem muito a ver com esta série e seus objetivos: Como você se definiria sob o ponto de vista pessoal, profissional e empreendedora?
Claudia Kerber – Sou veterinária de profissão, sempre tentando tirar a ideia da prateleira e fazer acontecer (risos). Uma vez uma amiga me disse que esse é o perfil que as empresas desejam e creio que na iniciativa privada essa característica é essencial. Trazer para si o desafio, correr o risco do fracasso, dar o seu melhor para executar a proposta. Geralmente a gente acerta, às vezes não; e chora... e segue a vida... empreender é isso.
CONFARMNEWS – Na sua opinião, qual é o diferencial da atuação das mulheres em uma sociedade onde ainda predomina a liderança masculina?
Claudia Kerber – Nunca tive problemas em competir com homens, pelo contrário, sem querer generalizar, reconheço que temos habilidades diferentes e complementares. Gosto de exemplificar usando a nossa experiencia: todos os anos contratamos 2 estagiários para a época da produção de alevinos de peixes marinhos, que é sazonal. Procuramos contratar um perfil masculino e um perfil feminino. O masculino é aquele que se pendura no teto da estufa sobre o tanque com 4 metros de altura para consertar um plástico solto, depois mergulha em apneia (apenas com o ar dos pulmões) no mar bravo para limpar um captador cheio de algas, levanta uma maca com peixes de 25 kg a uma altura de 2 metros. Essas atividades exigem força e uma dose de habilidades para risco. Já o perfil feminino é brilhante para monitorar zooplankton (conjunto de organismos aquáticos) observar e monitorar tanque de larvas, fazer tarefas que exigem cuidado, detalhamento e sistematização. Elas são incríveis. Então, acho que o masculino e o feminino, independente da questão do sexo binário, são complementares.
COFARMNEWS – Seu esposo atua com você na mesma empresa. Há competição, ou um respeita os limites do outro?
Claudia Kerber – De forma nenhuma competimos. Agradeço todos os dias por ter essa parceria que complementa minhas fraquezas e eu as dele.
"Então, acho que o masculino e o feminino,
independente da questão do sexo binário,
são complementares."
(Foto: acervo pessoal)
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CONFARMNEWS – O que pretendem as mulheres da aquicultura ao se unirem em grupo. É uma ação corporativista ou afirmação da importância da mulher em segmentos ainda muito dominados pelos homens?
Claudia Kerber – Entendo que nem todas as mulheres tiveram a mesma vivência. Entendo que muitas mulheres se sentem mais confortáveis e protegidas dentro do ambiente feminino e que muitos homens que eventualmente trazem na sua personalidade traços de uma tradição machista, encontram na organização feminina uma oportunidade para reflexão. Caso não entendam essa oportunidade, a união feminina em grupos pode faze-los entender que a herança paternalista e machista já deveria estar no museu e não é aceitável na sociedade atual. Nada de território dominado por homens já que a construção da masculinidade não passa por subjugar a mulher e não combina com a aquicultura que é uma atividade multidisciplinar.
COFARMNEWS – Confesso que sua atividade empresarial, no segmento de aquicultura, foi uma surpresa para mim, acostumado com a piscicultura de água doce. Por que a opção por produzir alevinos de peixes marinhos?
Claudia Kerber – Como veterinária, residindo em São Paulo, tive a oportunidade de trabalhar com grandes animais, mais especificamente com cavalos. De 1984 até 2003, quando mudei a residência para o Litoral Norte de São Paulo, esta foi a minha principal atividade. Na nova residência, procurei encontrar uma outra atividade que me permitisse dar uma contribuição para a sociedade e encontrei nas comunidades pesqueiras tradicionais a possibilidade de aplicar meu conhecimento para a melhoria de sua qualidade de vida destas populações. O escasseamento da produção pesqueira paralelamente ao colapso dos estoques naturais de várias espécies de peixes nos permitiu perceber a necessidade urgente de cultivar peixes marinhos.
COFARMNEWS – Por que a garoupa e o bijupirá?
Claudia Kerber – Sempre que temos vontade de iniciar o cultivo de uma espécie, a nossa avaliação é feita a partir da viabilidade econômica. O investimento no desenvolvimento de um pacote tecnológico de produção de alevinos de peixes marinhos pode levar anos e é muito custoso. Esse investimento só vai valer a pena se o peixe produzido tiver alto valor de mercado, se a produção for escalável e se o produto tiver alta demanda de mercado. Pensando nisso, nosso foco sempre foi a produção de serranídeos (chernes, badejos, garoupas, mero). Levamos 10 anos para desenvolver o pacote de produção de alevinos de garoupas. Nesse meio tempo (2012), surgiu a oportunidade de trabalhar com o bijupirá. O bijupirá já tinha o pacote tecnológico desenvolvido, alguma demanda e a reprodução era bem mais fácil. Até que conseguíssemos desenvolver a garoupa, a produção de alevinos de bijupirás manteve nosso caixa equilibrado.
COFARMNEWS – Que sistema a Redemar usa para este tipo de produção?
Claudia Kerber – A produção de alevinos é feita em sistema aberto em tanques de alvenaria. Com relação à engorda, no período de 2018/2020 tivemos o apoio da FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) para um estudo comparativo entre diferentes sistemas de produção de garoupas (viveiros de camarão, sistema de recirculação, produção em tanques rede flutuante) que foi executado com parcerias. Os resultados demonstraram a grande aptidão desses animais para o adensamento, a rusticidade da garoupa e também comprovaram a viabilidade econômica especialmente nos viveiros. Os achados estão sendo publicados.
COFARMNEWS – Vi no site de sua empresa que ela mantém algumas parcerias nas áreas ambientais e científicas. Como funcionam essas parcerias, quais são seus objetivos? Há, na empresa, programa de promoção social?
Claudia Kerber – Temos uma longa parceria com a Organização não Governamental (ONG) ATEVI (instagram: atevi_meio_ambiente). Através desta parceria, que capta recursos para pesquisas na área ambiental, desenvolvemos o Projeto Garoupa (com o apoio da PETROBRÁS SOCIO AMBIENTAL), o Projeto Garoupeta e o Projeto Mergulhando com o Mero - estes dois últimos patrocinados pela Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza. O Projeto Garoupeta desenvolveu uma ferramenta para ações de repovoamento marinho de garoupas e recebeu destaque da National Geographic. Segundo a Fundação, foi um dos três projetos de maior sucesso na história do Boticário em mais de 30 anos de apoio a projetos socioambientais. O Projeto Mergulhando com o Mero está em andamento (finaliza em dez/2024). O objetivo é conseguir a reprodução e a produção de alevinos desta espécie mero (Epinephelus itajara) além de educação ambiental. Os alevinos poderão ser disponibilizados para ações de repovoamento em locais onde a espécie já desapareceu e, também, para fins de estudos em aquicultura. O mero alcança mais de 400 kg em 35 anos de vida. A curva de crescimento é impressionante e por ser uma espécie estuarina, tem a vantagem de se adaptar a salinidades mais baixas, como é o caso dos viveiros de camarão. Além das pesquisas na área ambiental, a ATEVI desenvolve um programa de educação ambiental que recebe mais de 1000 visitantes por ano em nossas instalações. Os coordenadores ressaltam que as crianças chegam com a ideia de serem policiais e bombeiros. Saem dizendo que vão se tornar biólogos e veterinários. Isso é mesmo extraordinário se você pensar o impacto que você causou na visão de mundo desses jovens.
COFARMNEWS – Como é, atualmente, o mercado para o cultivo de peixes marinhos em cativeiro?
Claudia Kerber – O mercado para peixes cultivados é enorme. As estatísticas do NOAA (Estados Unidos) indicam que o Brasil exportou quase 7.000 toneladas de garoupas em 2019 com valor entre 10 e 12 dólares o quilo. No entanto, a Portaria MMA 445/2014 e o Programa de Recuperação da Garoupa Verdadeira no Brasil, inviabilizaram a produção industrial, criando uma grande demanda não atendida no mercado interno e, também, para exportação. Na região do Mediterrâneo, a garoupa verdadeira (Epinephelus marginatus) é uma espécie prevalente, protegida e de altíssima demanda. Com a reabertura dos mercados na Zona do Euro, a perspectiva de exportação é ótima. Para a Ásia, a perspectiva é ainda mais positiva, uma garoupa viva chega a custar 60 euros/Kg na época do Ano Novo Chinês e já há tecnologia para o envio dos animais vivos.
No entanto, peixe marinho não é tudo igual. O bijupirá, por exemplo, que tem uma produção custosa (off shore), remunera adequadamente o produtor no mercado Food Service nicho (culinária oriental por exemplo), mas quando se aumenta a produção, o mercado do varejo não consegue remunerar adequadamente o produtor. Da mesma forma, produzir tainha ou sardinha, concorre com a pesca. Concluindo, cada espécie tem que ser analisada no seu contexto.
COFARMNEWS – Este tipo de cultura é possível, também, em águas continentais?
Claudia Kerber – Sim. Espécies estuarinas que se adaptam ao adensamento e possuem alto valor de mercado, podem ser produzidas em sistemas de recirculação próximos aos mercados consumidores com excelente retorno financeiro. Espécies estritamente marinhas como a garoupa ou que não se desenvolvem bem em altas densidades como o bijupirá exigem maiores investimentos/custos para sua produção e, embora possível, é preciso realizar a análise de viabilidade para cada empreendimento.
COFARMNEWS – Qual é o impacto ambiental desta sua atividade para o mar?
Claudia Kerber – Existem duas realidades diferentes para a produção no mar. A produção longe da costa (off shore) e a produção perto da costa em baias abrigadas. Diversas modelagens feitas exaustivamente em diferentes países e condições, indicam que a produção longe da costa em grandes profundidades e fortes correntes que caracterizam o mar aberto, tem impacto ambiental irrelevante mesmo com altas produções. Por outro lado, a produção perto da costa em baias abrigadas traz diversos tipos de impacto inclusive disputa com outras atividades (pesca, esportes náuticos, outras modalidades de maricultura), impacto visual das estruturas flutuantes, alteração do substrato devido aos sedimentos e até mesmo eutrofização caso o empreendimento não tenha sido avaliado corretamente durante o processo de licenciamento. A consulta às populações tradicionais também é essencial e o não engajamento delas certamente comprometerá o desenvolvimento do empreendimento.
COFARMNEWS – Como toda atividade nova, creio que a produção de alevinos e engorda de peixes marinhos exigem muito da Ciência por meio das pesquisas. Este trabalho é feito por vocês, da Redemar, ou por meio de institutos públicos e privados, como Embrapa e a Academia?
Claudia Kerber – O pacote tecnológico de produção de alevinos de garoupas foi desenvolvido “in house” pela Redemar, sem apoio público. Fizemos viagens e treinamentos por longo tempo nas Filipinas e em Taiwan, mas não foi possível transpor os protocolos já que a realidade é muito diferente. Exige, sim, muita pesquisa, mas principalmente muita observação. Já com relação à engorda, foi essencial o apoio da FAPESP (programa de Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas) para avaliação dos diferentes sistemas de produção e temos um acordo de cooperação técnica com a Embrapa para estudo prospectivo de viveiros escavados ociosos nos estados de SC, RJ, ES, BA e SE com potencial uso para expansão do cultivo de garoupa e o desenvolvimento de estudo técnico e planilhas de equivalência para inserção da garoupa cultivada no regime aduaneiro de drawback.
A Redemar tem projetos socioambientais exemplares e premiados
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COFARMNEWS – Quando a piscicultura marinha poderá somar com a piscicultura de água doce para alavancar o Brasil a uma posição mais superior no ranking internacional de peixes de cultivo?
Claudia Kerber – É impressionante o potencial do Brasil na área da piscicultura marinha. Temos mais de 8.000 km de costa tropical/subtropical sem rotas de furacão; temos espécies incríveis, exuberância de pessoal com excelente formação qualificado por muitas instituições, enormes áreas estuarinas, mercado interno e externo com alta demanda e há muitos anos eu me dedico a entender porque a gente não consegue alavancar a atividade. Creio que um dos principais gargalos é o alto investimento inicial. Digo isso porque os alevinos e a ração são insumos caros em grande parte devido a pequena produção. Outro ponto é o ciclo ainda longo, no caso da garoupa, cerca de 1,5 ano para que cheguem a 800 gramas. Quando observo a história da tilapicultura ou da carcinicultura vejo que houve muito apoio de entidades públicas como o DNOCS, por exemplo, inclusive com o fornecimento gratuito de sementes ao produtor e extensão rural. Esse apoio nunca foi oferecido para a piscicultura marinha. E vejo também que o melhoramento genético realizou uma verdadeira revolução nessas duas cadeias. Isso precisa ser aplicado extensivamente na piscicultura marinha já que trabalhamos com animais selvagens ou no máximo F2. A boa notícia é que o melhoramento nestas condições permite um salto de crescimento e padronização a cada intervalo de gerações.
COFARMNEWS – Claudia, não poderia encerrar esta entrevista sem antes colocar a sua disposição espaço para mais alguma informação técnica ou sobre o empoderamento da mulher, caso ache necessário para enriquecer ainda mais este bate-papo. Peço, como de praxe nesta série, que indique a nossa próxima entrevistada.
Claudia Kerber – Deixei para o final a segunda boa notícia sobre a piscicultura marinha. A Redemar se dedicou esses anos todos a produzir alevinos. Nossa produção era pequena e além de não conseguir apoiar o crescimento da cadeia, inviabilizava empreendimentos no Norte e Nordeste do País devido ao custo e risco do frete. A partir de 2022, modificamos o Core Business da nossa empresa que passou a compartilhar a tecnologia através de treinamento e fornecimento de protocolos de produção. Assim, a Redemar, hoje, comercializa o Pacote Tecnológico para que outras empresas possam produzir seus próprios alevinos.
Algumas das minhas maiores inspirações já foram entrevistadas, creio que a Professora Katt Lapa, da UFSC, que trabalha com sistemas de recirculação, tem muito a nos ensinar também. É a minha indicação.
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