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MULHERES DA AQUICULTURA - Márcia Kafensztok: “Não tem como querermos pensar em futuro, sem pensar em sustentabilidade! O volume de alimento que podemos produzir na aquacultura é monumental”

MULHERES DA AQUICULTURA - Márcia Kafensztok: “Não tem como querermos pensar em futuro, sem pensar em sustentabilidade! O volume de alimento que podemos produzir na aquacultura é monumental”

Data de Publicação: 3 de maio de 2023 10:17:00 Mais que uma história para contar ao “Mulheres da Aquicultura”, o case de sucesso de Márcia Kafenstok, do Rio Grande do Norte, permite um roteiro para as telas de cinema ou livro – ciência, empreendedorismo, resiliência, ESG. Nesta entrevista, que teve como convidada a jornalista paulista Flávia Romanelli, a produtora conta a história da PRIMAR, um ideal de seu marido que ela e filha levam à frente #mulheres da aquicultura #marcia kafensztok #empreendedorismo #carcinicultura #aquicultura #e

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Por Antônio Oliveira

Indicada pela também carcinicultora potiguar, Ana Carolina, que a antecedeu nesta série de entrevistas “Mulheres da Aquicultura”, Márcia Kafensztok é um grande exemplo de coragem, persistência e empreendedorismo. Formada em Design Gráfico, com mestrado e anos de atuação no mercado, ela foi surpreendida pela falta inesperada de seu esposo na gestão do projeto de carcinicultura PRIMAR, no Rio Grande do Norte. “Foi um momento muito difícil. Alexandre construiu a PRIMAR do zero, era biólogo marinho, mestre em Bioecologia Aquática, um apaixonado pela aquacultura e um defensor ferrenho de questões voltadas à preservação e sustentabilidade na aquacultura. Ele estudava muito, tinha um conhecimento profundo sobre temas relativos à aquacultura, opiniões bem marcantes, um ponto de vista fora da curva”, diz ele nesta entrevista a este editor e a jornalista Ana Flávia Romanelli, convidada especial do CONFARMNEWS para este bate-papo.

Não se intimidou, levantou a cabeça e levou a “bola para frente”. “Alexandre tinha uma enorme rede de contatos que eu e minha filha acionamos imediatamente. Avisamos que gostaríamos de dar continuidade ao projeto dele, mas que precisaríamos de suporte, pois não era nossa área. Foram muitas as pessoas que se prontificaram a nos ajudar, eram profissionais, professores, mestres, doutores, disponibilizando suporte voluntário, para continuarmos com a PRIMAR.  E assim fui sendo treinada, por WhatsApp, Skype, telefone, aprendendo com os mestres e, também, com a equipe da PRIMAR, que ia me fornecendo as histórias e me educando nas rotinas da fazenda” – informa.

E os resultados, inclusive em ESG, são os melhores possíveis e não voltados apenas para lucros, mas para a Ciência, para a comunidade acadêmica, para a sociedade de uma forma geral.

Segue a entrevista.

Márcia Kafensztok: "Fui sendo treinada por WhatsApp,
Skype, telefone, aprendendo com os mestres e, também,
com a equipe da PRIMAR, que ia me fornecendo as histórias
e me educando nas rotinas da fazenda"
(Foto: Acervo pessoal)

 

Centro-Oeste Farm News (COFARMNEWS) – Márcia – permita-me trata-la assim -, você é outra personalidade entre as mulheres da aquicultura que enriquece esta série. Seja bem-vinda, sucedendo sua colega, Ana Carolina.

Marcia Kafensztok – Oi Antônio, muito grata pelo convite! Sinto-me honrada com a indicação de Ana Carolina, que é uma gigante da aquacultura, uma profissional ímpar, de quem somos parceiros há cerca de 30 anos e por quem tenho uma gratidão enorme!

 

COFARMNEWS – Deixo que a colega, a jornalista paulista Flávia Romanelli, convidada do site, abra a entrevista.

 

Flávia Romanelli – Como foi ter que assumir o comando de um negócio repentinamente, em um ambiente mais tradicional e sem ter formação na área? Houve muito descrédito?

Márcia Kafensztok – Foi um momento muito difícil. Alexandre construiu a PRIMAR do zero, era biólogo marinho, mestre em Bioecologia Aquática, um apaixonado pela aquacultura e um defensor ferrenho de questões voltadas à preservação e sustentabilidade na aquacultura. Ele estudava muito, tinha um conhecimento profundo sobre temas relativos à aquacultura, opiniões bem marcantes, um ponto de vista fora da curva. Ele foi assassinado, dentro da fazenda, por um funcionário. Sempre gostei de morar na fazenda e abandonar tudo aqui não foi minha escolha. Alexandre tinha uma enorme rede de contatos, que eu e minha filha acionamos imediatamente. Avisamos que gostaríamos de dar continuidade ao projeto dele, mas que precisaríamos de suporte, pois não era nossa área (minha formação é em Design Gráfico, com mestrado e anos de atuação no mercado). Foram muitas as pessoas que se prontificaram a nos ajudar, eram profissionais, professores, mestres, doutores, disponibilizando suporte voluntário, para continuarmos com a PRIMAR.  E assim fui sendo treinada por WhatsApp, Skype, telefone, aprendendo com os mestres e, também, com a equipe da PRIMAR, que ia me fornecendo as histórias e me educando nas rotinas da fazenda.

 

Flávia Romanelli - Quais os diferenciais de sua gestão?

Márcia Kafenztok – Pela própria história da gente, fui adotando uma estrutura de gestão participativa, envolvendo toda a equipe nos processos de decisão. Acho mais certo juntar a visão de várias pessoas para tomada de decisão. E quando são corresponsáveis, os colaboradores acabam tendo mais empenho e responsabilidade.

 

"Uma amiga comentou uma vez
que fui mordida pela mosquinha
da aquacultura.
Acho que ela tem razão!"
(Foto: Acervo pessoal)

 

Flávia Romanelli - Como foi criar o Instituto para levar o legado de seu marido adiante?

Márcia Kafensztok – O Instituto ainda não existe de fato, estamos estudando como isto deve ser estruturado, se será a PRIMAR que virará um Instituto, se será um novo CNPJ ou terá outro formato. O que já estamos fazendo é formalizar as parcerias que Alexandre mantinha de maneira informal. Hoje temos conveniadas 18 universidades federais brasileiras, para recebimento de estágios, editais e pesquisas. Recebemos estudantes para visitas de campo, estamos com mais de 3 mil assinaturas em nosso livro de visitas. Temos um alojamento que abriga até 4 pessoas, para estágios e residências, uma biblioteca com mais de 2 mil volumes sobre aquacultura e demandas frequentes para estágios. O projeto da Estação Ciência, que pretende ampliar as acomodações para 20 pessoas além de aumentar o espaço da biblioteca e disponibilizar um pequeno laboratório para as pesquisas do campo. Em 2019, fechamos nosso primeiro convênio internacional de pesquisas com a União Europeia, o Consórcio AquaVitae, onde 36 entidades ao redor do Oceano Atlântico pesquisam organismos aquáticos de baixo nível trófico. E continuamos na busca de parcerias e projetos de pesquisa, que venham a contribuir para o crescimento da aquacultura brasileira.

 

COFARMNEWS – Com este trabalho, a senhora diria que a PRIMAR já faz ESG (ambiental, social e governança), desde antes desta filosofia empresarial surgir, até mesmo como modismo?

Marcia Kafensztok – Sim. A PRIMAR é a primeira fazenda de aquacultura orgânica certificada do Brasil pelo IBD (Instituto BioDinâmico), desde 2003. São 20 anos de produção orgânica, de camarões e ostras, além da preservação do nosso ambiente e entorno. Este equilíbrio entre ambiental, econômico e social, faz parte do DNA da empresa há muitos anos.

 

"Acho mais certo juntar a visão de várias
pessoas para tomada de decisão. E quando são
corresponsáveis, os colaboradores acabam
tendo mais empenho e responsabilidade"
 
(Foto: Acervo pessoal)

 

COFARMNEWS – Conta mais sobre a PRIMAR.

Marcia Kafensztok – Nossa fazenda tem 9 viveiros produtivos, numa área de cerca de 40 hectares. O que mantém a PRIMAR são os cultivos de camarão. As ostras, cultivadas em travesseiros flutuantes, complementam a produção e tem seu cultivo consorciado ao camarão. Desde 2014, temos um laboratório de reprodução de ostras nativas, ostras de mangue (Crassostrea gasar). As sementes de ostras mantêm nossos estoques, são vendidas a outros produtores aqui do Rio Grande do Norte, mas também da Bahia, Alagoas, Espírito Santo e Rio de Janeiro. O Sebrae é parceiro e tem um trabalho bem interessante de apoio a ostreicultura no Nordeste brasileiro. Temos a licença ambiental para cultivo e mais de 12 anos de pesquisas com cavalos-marinhos  (Hippocampus reidi), para fins ornamentais. Desde a parceria com o AquaVitae, temos pesquisas sendo desenvolvidas com micro e macro algas nativas. Como o cultivo orgânico prioriza o policultivo ou o consórcio de culturas, a lista de organismos aquáticos pelos quais temos interesse em pesquisar e cultivar é bem extensa. (Leia mais sobre a PRIMAR, ao final desta entrevista).

 

COFARMNEWS – Como é o mercado brasileiro para o camarão orgânico?

Marcia Kafensztok – No cultivo do camarão, não utilizamos ração. Ele se alimenta do alimento natural encontrado no piso dos viveiros. Fazemos a conta ao contrário. Qual a capacidade de suporte do meio ambiente? E é dentro dela que mantemos nossos cultivos. São cultivos em baixa densidade, a produtividade não é alta, mas os custos de produção são muito atraentes. Temos uma estrutura de delivery, que vende boa parte dos produtos da PRIMAR direto para o consumidor final, em Natal e Pipa.  Este consumidor final, valoriza a produção orgânica. Mas parte da produção é entregue a atravessador, que não oferece diferencial por ser de produção orgânica. Como nossa produção é pequena, atendemos apenas o mercado local.

 

COFARMNEWS – A carcinicultura te realiza mais que a arte que exercia?

Márcia Kafensztok – Hoje em dia, quando perguntam minha profissão, falo que sou uma Designer/Aquacultora. Vejo uma conexão muito grande entre arte e ciência. Ambas têm uma curiosidade e uma inquietação constante. A diferença é que na ciência tudo precisa ficar registrado. A arte pode ficar mais solta! Neste processo de compartilhamento de decisões e de informações, com os colaboradores, pesquisadores e os estudantes por aqui, vejo como o conhecimento é transformador. Aí, sim, mais que a produção de camarão ou ostras, a produção de conhecimento é realizadora! Uma amiga comentou uma vez que fui mordida pela mosquinha da aquacultura. Acho que ela tem razão!

 

"Visita de alunos da Escola Agrícola de Jundiaí, braço rural da UFRN" (Foto: PRIMAR)

 

COFARMNEWS – Na sua visão e experiência, qual é o presente e o futuro da carcinicultura brasileira – marinha e em terras continentais?

Marcia Kafensztok – Acredito firmemente que a aquacultura pode erradicar o problema da fome. Num planeta em que 2/3 é de água, o volume de alimento que podemos produzir na aquacultura é monumental. E diferente da terra, que é plana, a agua tem várias dimensões  para serem exploradas. Trabalhar com cultivos multitróficos integrados abrem enormes fronteiras. Espero que as questões sobre preservação e sustentabilidade sejam cada vez mais atreladas à aquacultura. Não tem como querermos pensar em futuro, sem pensar em sustentabilidade!

 

COFARMNEWS – O que falta, da parte dos poderes públicos e da iniciativa privada, para o pleno desenvolvimento da carcinicultura brasileira, inclusive na reabertura de mercados externas?

Marcia Kafensztok – Diria que falta ao poder público, bancos e seguradoras, entender a aquacultura como agronegócio. Temos plantio, safras, colheitas, tudo muito semelhante ao agronegócio. Mas muitas vezes nossa atividade fica mais vinculada a pesca extrativista do que a plantio e colheita de “frutos do mar". Precisávamos de seguros e financiamento de safras, nos mesmos moldes do agronegócio.

 

COFARMNEWS – Márcia, agradecemos por esta oportunidade, deixamos o espaço para que você, caso queira, falar mais alguma coisa. Por fim e de praxe, peço que a senhora sugira a próxima entrevistada.

Agradeço imensamente a oportunidade de divulgar nossos projetos. A quem quiser saber mais sobre a PRIMAR, visite www.primarorganica.com.br .  Sugiro que façam contato com a Ana Paula Guerrelhas, que está no comando de um belo projeto, a fazenda SynbiAqua, que busca o equilíbrio entre sustentabilidade e alta performance. Vale a pena conhecer!

 

 

Um case de sucesso

A Primar tem sido reconhecida não apenas pelos impactos positivos causados ao meio ambiente e a própria satisfação dos seus clientes e parceiros, mas sobretudo em premiações como o 4o Prêmio Mulheres do Agro, promovido pela Associação Brasileira do Agro Negócio (ABAG) e Agro-Bayer Brasil, arrebatando em outubro de 2021 o 1º lugar na categoria Pequena Propriedade.

Em setembro de 2022, a PRIMAR foi contemplada com o Top 100 Mundial de Histórias Exemplo de Sustentabilidade, que é organizado pela Green Destinations, organização internacional voltada para práticas sustentáveis de turismo. Destacou-se entre 100 histórias de boas práticas que inspiram lideranças do turismo responsável em nível mundial com melhorias e progressos promissores para uma indústria mais sustentável, com seu turismo pedagógico, pela recepção frequente de alunos de várias universidades brasileiras.

A empreendedora e empresária, Marcia Kafensztok, foi a grande vencedora do Prêmio Sebrae Mulher de Negócios 2022, na categoria Produtora Rural, na etapa nacional da premiação, criada pelo Sebrae para estimular o empreendedorismo feminino ao reconhecer histórias inspiradoras de empresas lideradas por mulheres.

Em janeiro de 2023 recebeu a Medalha do Desenvolvimento Econômico do Mérito Potiguar, como reconhecimento da importância da atividade para o estado do Rio grande Grande do Norte.

Vista parcial dos tanques da PRIMAR, no Rio Grande do Norte (Foto: PRIMAR)

 

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